A efeméride

Gustavo Carneiro

Como seria de es­perar, deu que falar nos úl­timos dias a pas­sagem de duas dé­cadas sobre os aten­tados de 11 de Se­tembro de 2001, em Nova Iorque.

As ima­gens dos acon­te­ci­mentos, vistas já mil-e-uma vezes, foram re­cu­pe­radas e no­va­mente con­tadas as his­tó­rias dos he­róis, dos viúvos, dos ór­fãos, dos que per­deram os seus fi­lhos nos es­com­bros do World Trade Center. E tão ter­rí­veis e dra­má­ticas são, umas e ou­tras, in­de­pen­den­te­mente de mi­lhões de seres hu­manos vi­verem di­a­ri­a­mente os seus onzes de Se­tembro sem que por isso me­reçam a mesma co­moção e se­me­lhante so­li­da­ri­e­dade.

Também sem sur­presa, pouco ou nada mudou no dis­curso ofi­cial sobre os acon­te­ci­mentos de há 20 anos e pelos média do­mi­nantes não se soube muito mais acerca do que efec­ti­va­mente ocorreu do que o que fora dito nos dias ime­di­a­ta­mente a se­guir aos aten­tados: as novas re­ve­la­ções sobre a «pista sau­dita» dos ter­ro­ristas sabem a pouco e nada acres­centam. Sem res­posta con­ti­nuam, e assim con­ti­nu­arão pre­vi­si­vel­mente du­rante muitos anos, al­gumas das ques­tões fun­da­men­tais, a co­meçar por aquela que – é dos li­vros! – de­veria ter sido a pri­meira a ser co­lo­cada, e in­ves­ti­gada: «a quem serve o crime?»

Ao longo dos anos, e so­bre­tudo desde que as der­rotas co­me­çaram a surgir, como agora no Afe­ga­nistão, al­guns cri­ti­caram o modo como foi tra­vada a guerra ao ter­ro­rismo, mas não a sua jus­teza, as suas mo­ti­va­ções, as suas con­sequên­cias. Os muitos mi­lhares de mortos, fe­ridos e des­lo­cados, a des­truição de casas, de es­colas, de hos­pi­tais, de países in­teiros, em su­ces­sivas agres­sões mi­li­tares dos EUA e dos seus cúm­plices de sempre, no Médio Ori­ente e na Ásia Cen­tral, foram tra­tados pela ge­ne­ra­li­dade dos ór­gãos de co­mu­ni­cação so­cial como erros e danos co­la­te­rais. Ou sim­ples­mente ig­no­rados, como su­cedeu na maior parte dos casos.

Por ra­zões de se­gu­rança, jus­ti­ficou-se a li­mi­tação de ga­ran­tias e di­reitos de­mo­crá­ticos, a ge­ne­ra­li­zação da vi­gi­lância, a ba­na­li­zação e le­gi­ti­mação das exe­cu­ções extra-ju­di­ciais, das de­ten­ções sem jul­ga­mento e da tor­tura (em Abu Gh­raib, em Guan­tá­namo, nos voos se­cretos da CIA), e a pre­texto do ter­ro­rismo aceitou-se como na­tural e be­né­fica a pro­li­fe­ração de bases e con­tin­gentes mi­li­tares nos quatro cantos do mundo.

Nada disto nos deve sur­pre­ender, ou não es­ti­vés­semos a falar dos que, nas horas, dias e meses que se se­guiram aos aten­tados de Se­tembro de 2001, tudo fi­zeram para abafar as vozes de quem, re­pu­di­ando o ter­ro­rismo, re­cla­mava por paz e por um mundo mais justo. Como aqueles que, pelas ruas dos Es­tados Unidos da Amé­rica, muitos cho­rando a perda dos seus mais pró­ximos, afir­maram bem alto que o nosso grito de dor não é um grito de guerra.




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