Eles não sabem que o sonho…

Manuel Pires da Rocha

Arte e a Cul­tura têm a uti­li­dade de serem uma chave do fu­turo

É pre­ciso lá ter es­tado pelo menos uma vez. O es­paço, amplo, con­densa em poucos hec­tares o muito do Por­tugal que existe, em Con­ti­nente e Ilhas, mas não passa nas no­tí­cias (ma­cabra co­e­rência que, por igual, barra o acesso da Festa do Avante! ao ali­nha­mento dos no­ti­ciá­rios). Não so­frem, porém, os cen­sores da im­prensa dos males do des­co­nhe­ci­mento. Desde há 45 anos que sabem o que é a Festa; sabem como se vive a Festa; sabem como se faz e como se cuida da Festa. Per­cebe-se-lhes, até, um in­terno e se­creto des­con­forto de gos­tarem da Festa. Por isso, quando com­param a Festa a um «fes­tival» não se trata de des­co­nhecer a re­a­li­dade – trata-se de ali­mentar, em alma alheia, um pre­con­ceito que con­dena tudo aquilo que não en­tende.

É pre­ciso vi­sitar a Festa, pelo menos uma vez, para que se possa ter uma noção, ainda que con­den­sada, da pro­posta do PCP para a cons­trução da nossa vida co­lec­tiva. A Festa é a re­pre­sen­tação do ob­jec­tivo que os co­mu­nistas fi­xaram no Pro­grama do PCP, o da cons­trução de uma De­mo­cracia in­teira e in­te­gra­dora de quatro di­men­sões es­sen­ciais: a eco­nó­mica, a so­cial, a po­lí­tica e a cul­tural. Por isso é que ca­rac­te­rizar a Festa como «fes­tival», por ra­zões de uti­li­dade re­pres­siva à bo­leia de uma qual­quer «emer­gência», é es­ca­mo­tear as ur­gên­cias da vida, que podem ser uma con­versa de amigos, a vi­sita a uma ex­po­sição de artes plás­ticas, a vi­bração de um con­certo de mú­sica, a apre­sen­tação de um livro, o ver passar quem passa, no fresco da sombra de uma ár­vore (com Lisboa ao longe, posta sobre o Tejo), a in­ter­venção num de­bate sobre o di­reito ao tra­balho.

Ma­nuel Gusmão, em 29 No­vembro 2008, no XVIII Con­gresso do PCP: «Hoje mesmo em que [a bur­guesia por­tu­guesa] se faz re­pre­sentar no go­verno por um par­tido que se diz so­ci­a­lista e que pro­ta­go­niza a ren­dição so­cial-de­mo­crata ao poder eco­nó­mico do grande ca­pital e à ide­o­logia neo-li­beral, en­fren­tamos, ao mesmo tempo, uma ofen­siva vi­o­len­tís­sima contra os tra­ba­lha­dores e o di­reito ao tra­balho, e uma pro­lon­gada po­lí­tica de des­res­pon­sa­bi­lição do Es­tado em re­lação às suas fun­ções cul­tu­rais.

«Para a po­lí­tica de di­reita há que poupar na cul­tura, ou seja, gastar o ne­ces­sário na mo­nu­men­ta­li­zação ou or­na­men­tação do poder, e con­fiar em que, no mer­cado e na co­mu­ni­cação so­cial, do­mi­nada e do­mi­nante, im­perem os cri­té­rios do lucro, da dis­cri­mi­nação ide­o­ló­gica e os gostos das grandes au­di­ên­cias. O papel des­tru­tivo do ca­pi­ta­lismo dá-se aqui a co­nhecer en­quanto mer­ca­do­ri­zação e ali­e­nação. Mer­ca­do­ri­zação de todas as re­la­ções so­ciais e hu­manas, da arte e da cul­tura. Ali­e­nação, quando tudo o que há de pú­blico ou ín­timo, da vida pes­soal à acção po­lí­tica, nos é ex­pro­priado e trans­for­mado em es­pec­tá­culo, que nos impõe a po­sição de es­pec­ta­dores e ilude o di­reito à par­ti­ci­pação.»

E con­clui: «Para nós, PCP, pelo con­trário, a cul­tura é efeito e função da li­ber­dade; fer­mento e agente de trans­for­mação; ins­tru­mento e an­te­ci­pação pro­vi­sória da eman­ci­pação dos tra­ba­lha­dores e dos povos.»

É pre­ciso lá ter es­tado pelo menos uma vez para per­ceber que a se­dução da pin­tura de­pende de a po­dermos ad­mirar; e que para nos re­vermos nas exis­tên­cias de luz do ci­nema «de autor», pre­ci­samos de ter acesso a esse bem es­con­dido sob cor­tinas de super-he­róis; e que os li­vros ficam mais perto quando são apre­sen­tados na voz dos seus au­tores; e que os mis­té­rios da as­tro­nomia são, afinal, riscos no céu que se aprende a de­ci­frar.

É pre­ciso vi­sitar a Festa do Avante!, pelo menos uma vez, para per­ceber que a Arte e a Cul­tura só têm a com­ple­xi­dade que tem qual­quer boa des­co­berta. E a uti­li­dade de serem uma chave do fu­turo.




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