O AUKUS, o imperialismo e o Dia Internacional da Paz

Gustavo Carneiro

O AUKUS cons­titui um novo e pe­ri­goso salto na mi­li­ta­ri­zação do Indo-Pa­cí­fico

As­si­nalou-se an­te­ontem, 21, o Dia In­ter­na­ci­onal da Paz, con­sa­grado pela As­sem­bleia-geral das Na­ções Unidas em 2001 e ce­le­brado pela pri­meira vez no ano se­guinte. Os seus ob­jec­tivos, apa­ren­te­mente sim­ples – con­tri­buir para ali­viar ten­sões é um deles –, re­velam-se de apli­cação cada vez mais com­plexa, à me­dida que o im­pe­ri­a­lismo re­força a po­lí­tica de agressão e cerco contra qual­quer país que não se sub­meta aos seus in­te­resses geo-es­tra­té­gicos.

Este ano, uma nova ameaça junta-se às an­te­ri­or­mente exis­tentes: a cri­ação de uma nova ali­ança mi­litar para a re­gião do Indo-Pa­cí­fico, de­sig­nada AUKUS, acró­nimo dos países que a com­põem: «A», de Aus­trália, «UK», de Reino Unido (em in­glês, United Kingdom) e «US», de Es­tados Unidos da Amé­rica (United States). O anúncio foi feito no dia 15, numa con­fe­rência vir­tual em que par­ti­ci­param o pre­si­dente dos EUA, Joe Biden, e os pri­meiros-mi­nis­tros do Reino Unido e da Aus­trália, Boris Johnson e Scott Mor­rison. Para os três go­ver­nantes, o ob­jec­tivo desta «par­ceria» (é assim que lhe chamam!) é a co­o­pe­ração tec­no­ló­gica e mi­litar e os seus pro­pó­sitos, hi­po­cri­ta­mente anun­ci­ados, são a«paz», a«se­gu­rança» e a «de­fesa do di­reito in­ter­na­ci­onal».

Mas como sempre acon­tece nestas oca­siões, também agora é pre­ciso ir muito além das pa­la­vras (so­bre­tudo das que ali foram ditas, pois ou­tras houve, bem mais re­ve­la­doras) para apre­ender o al­cance e os pro­pó­sitos deste novo pacto mi­litar. Co­me­cemos pelo que já se co­nhece acerca dos termos do «acordo».

A pri­meira me­dida anun­ciada é a ob­tenção, pela Aus­trália, de uma frota de sub­ma­rinos nu­cle­ares e a cri­ação de uma infra-es­tru­tura capaz de a manter e de­sen­volver. Por seu lado, bri­tâ­nicos e (so­bre­tudo) norte-ame­ri­canos verão au­men­tada a sua pre­sença mi­litar na re­gião, uti­li­zando bases e postos mi­li­tares aus­tra­li­anos para es­ta­ci­o­na­mento e mo­vi­men­tação de tropas, na­vios, ae­ro­naves e ar­ma­mento. Por mais que a pa­lavra não seja uti­li­zada nem pelos di­ri­gentes das po­tên­cias im­pe­ri­a­listas nem pelos média ao seu ser­viço, é de mi­li­ta­rismo que fa­lamos.

Alvo de­fi­nido

Se na con­fe­rência em que foi apre­sen­tado o AUKUS não foram feitas quais­quer re­fe­rên­cias à Re­pú­blica Po­pular da China (RPC), foi ela a mo­tivar o novo pacto mi­litar. Isto mesmo foi aliás re­co­nhe­cido logo no dia se­guinte pelo Se­cre­tário de Es­tado norte-ame­ri­cano, Anthony Blinken, numa con­fe­rência de im­prensa con­junta com go­ver­nantes aus­tra­li­anos.

As cos­tu­meiras acu­sa­ções de «ex­pan­si­o­nismo» e «agres­si­vi­dade» que uma vez mais foram di­ri­gidas à China, apre­sen­tadas agora como pre­texto para a cri­ação do AUKUS, não são sé­rias. Em pri­meiro lugar, por quem as pro­fere (ha­verá algum Es­tado mais ex­pan­si­o­nista e agres­sivo dos que os EUA?), mas também porque a con­tenção do de­sen­vol­vi­mento e da afir­mação in­ter­na­ci­onal da China é, há muito, um ob­jec­tivo cen­tral do im­pe­ri­a­lismo. Numa re­cente ci­meira da NATO, aliás, a «con­cor­rência» eco­nó­mica e tec­no­ló­gica chi­nesa foi in­clu­si­va­mente apon­tada como ameaça a jus­ti­ficar o re­forço de ar­se­nais e ca­pa­ci­dades mi­li­tares. O AUKUS serve cla­ra­mente este pro­pó­sito.

O acordo EUA-Reino Unido-Aus­trália, nos termos exactos em que foi ce­le­brado, mo­tivou crí­ticas, vindas in­clu­si­va­mente de países do campo im­pe­ri­a­lista. A França cri­ticou o can­ce­la­mento do ne­gócio mi­li­o­nário que a Aus­trália ce­le­brara com a Naval Group, para re­no­vação da frota de sub­ma­rinos, e a Nova Ze­lândia já fez saber que não au­to­ri­zará a pas­sagem das em­bar­ca­ções pelas suas águas, de­vido ao seu po­si­ci­o­na­mento «an­ti­nu­clear». Já a China acusa os EUA e os seus ali­ados de pre­ju­di­carem a paz e a es­ta­bi­li­dade re­gi­o­nais, in­ten­si­fi­carem a cor­rida aos ar­ma­mentos e minarem os es­forços in­ter­na­ci­o­nais de não pro­li­fe­ração nu­clear.

A luta pela paz, contra o im­pe­ri­a­lismo e a guerra, está na ordem do dia.



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