Rendeirimentos
No passado domingo, pelo menos nesse dia, os diversos canais da televisão portuguesa aplicaram boa parte do seu tempo a falar-nos de João Rendeiro, empresário que entre outras destacáveis iniciativas foi fundador e administrador do BPP, Banco Privado Português. Vimo-lo em diversos momentos da sua recente vida privada, até o vimos de pijama num requinte da reportagem, e ficámos a saber pelo menos um pouco da embaraçosa situação para que resvalou e de onde há-de sair porque, como bem se sabe, as muitas habilidades e alguns recursos acabam por salvar de grandes males os Rendeiros do nosso país e do mundo em geral. Aliás, o largo e simpático teletempo consagrado a João Rendeiro é já sintoma da importância que um cidadão como ele, mais o seu currículo, têm para um canal de televisão: nada como um cheirinho a escândalo, e mais ainda se esse cheiro envolver dinheiros avultados, para que a TV se mobilize. Num primeiro (ou talvez segundo) momento, a questão suscitada pela sua detenção é a da sua extradição da África do Sul, mas o caso pode muito bem alongar-se e desdobrar-se em episódios. Uns largos milhares de euros serão um eficaz aditivo para o interesse da TV.
Talvez algum azar
Acontece que o Caso Rendeiro, chamemos-lhe assim, bem poderia constituir precedente e exemplo para um trabalho regular da TV pública, e também para as operadoras de televisão que não são públicas, orientado para a investigação e denúncia de actividades que serão muito rendosas mas não muito recomendáveis eticamente. Ninguém acreditará facilmente que João Rendeiro é um caso excepcionalíssimo entre nós: mais provável será que Rendeiro tenha tido algum azar ao esbarrar com um jornalismo interessado em espreitar a sua actividade e o que poderá estar dentro dela. Mas podemos fazer um esforço e sermos optimistas: quem sabe se esta incursão televisiva nas actividades de Rendeiro não abre apetites de conhecimento e curiosidades adquiridas por contágio? De qualquer modo, esta breve derivação pode ser olhada como um bonito passo e poderia tornar-se uma espécie de tónico para uma televisão corajosa e útil como, naturalmente, sempre deveria ser a televisão, quer pública quer não, por força de um dever que lhe cabe em qualquer dos casos: o de justificar a sua existência para lá das funções anestésicas em que tanto se afirma. Porque, como bem se entende, a televisão pode e deve querer entreter-nos, mas não deve especializar-se em adormecer-nos.