Energia e alimentação ilustram vaga especulativa antipopular

O PCP pro­moveu um con­junto de ac­ções de es­cla­re­ci­mento e mo­bi­li­zação contra o au­mento do custo de vida. A cam­panha ar­rancou dia 17 com uma de­cla­ração po­lí­tica de Paulo Rai­mundo (ver pá­ginas 6 e 7) e pro­longou-se até an­te­ontem, 22, in­ci­dindo so­bre­tudo na ne­ces­si­dade de res­postas para a es­ca­lada es­pe­cu­la­tiva nos preços da energia, cujos efeitos se sentem com par­ti­cular se­ve­ri­dade no preço dos gé­neros ali­men­tares.

O ele­vado peço da energia pro­voca au­mentos em ca­deia

Já ontem, João Frazão, da Co­missão Po­lí­tica do Co­mité Cen­tral, sa­li­entou, em con­fe­rência de im­prensa, que a si­tu­ação também dá razão ao PCP acerca da ne­ces­si­dade de «uma po­lí­tica que as­suma a de­fesa da pro­dução na­ci­onal e par­ti­cu­lar­mente da pro­dução agrí­cola para ga­rantir a so­be­rania ali­mentar como pri­o­ri­dade na­ci­onal» (ver caixa).

Com efeito, é ri­go­roso afirmar que na de­pen­dência de Por­tugal face ao es­tran­geiro no que a sec­tores es­tra­té­gicos diz res­peito, com a pro­dução de ali­mentos à ca­beça, re­side a causa de fundo que ca­rece ser en­fren­tada. Mas tal não está des­li­gado do vór­tice es­pe­cu­la­tivo an­ti­po­pular em curso. Pelo con­trário, hou­vesse von­tade po­lí­tica do Go­verno em re­tomar o ca­minho para as­se­gurar so­be­rania em ma­té­rias cen­trais, e não es­ta­ríamos hoje a re­clamar das me­didas pa­li­a­tivas adop­tadas pelo exe­cu­tivo e do facto de este con­ti­nuar a furtar-se a en­frentar os in­te­resses dos grandes grupos eco­nó­micos, como de resto se acusa no fo­lheto do PCP que es­teve em dis­tri­buição de Norte a Sul do País (ver fotos).

Li­ber­dade para es­pe­cular

O caso do preço do gás bu­tano em Es­panha e em Por­tugal é pa­ra­dig­má­tico. De acordo com dados da En­ti­dade Na­ci­onal para o Sector Ener­gé­tico (ENSE), uma bo­tija de 13 qui­lo­gramas no ter­ri­tório na­ci­onal ronda os 32 euros (2,46 euros/​kg). Em Es­panha, apesar da su­bida dos preços também se ve­ri­ficar, o valor de uma bo­tija de 12,5 kg é de cerca de 18,63 euros, ou seja, 1,49 euros/​kg.

O que ex­plica esta di­fe­rença não são os im­postos, já que o ISP apli­cado deste lado da fron­teira di­fere apenas em dois pontos per­cen­tuais face ao outro lado da fron­teira. Em Es­panha e em Por­tugal o ISP é se­me­lhante e o IVA neste caso cifra-se, res­pec­ti­va­mente, em 21 e 23 por cento.

Ora, a razão pela qual existe uma di­fe­rença abissal no preço de uma bo­tija de gás bu­tano de 13 qui­lo­gramas entre Por­tugal e Es­panha é que neste úl­timo país o preço é re­gu­lado, ao passo que no nosso é dei­xado ao «mer­cado livre».

Da mesma forma se pode dizer que a car­te­li­zação das pe­tro­lí­feras para ga­ran­tirem os seus lu­cros se ob­serva no preço final pago pelos con­su­mi­dores. Como, aliás, ex­plicou o de­pu­tado co­mu­nista Du­arte Alves, em de­bate na As­sem­bleia da Re­pú­blica (AR), sobre os preços da energia no início da se­mana pas­sada, tal pode con­cluir-se dos dados di­vul­gados pela pró­pria ENSE.

Aquela fonte ad­mite que em 2020 e 2021 as mar­gens das pe­tro­lí­feras foram em média su­pe­ri­ores às de 2019, e que é a margem bruta que ex­plica o au­mento que então se ve­ri­fi­cava, o qual, en­tre­tanto, se agravou.

Em 2008, quando o barril de pe­tróleo atingiu o seu má­ximo his­tó­rico, acima de 140 dó­lares, o ga­sóleo era ven­dido a 1,41 euros. Neste mo­mento, o valor do barril situa-se em torno dos 130 dó­lares e o ga­sóleo… está a ser ven­dido a quase 2 euros.

Na sua in­ter­venção no par­la­mento, Du­arte Alves também lem­brou que a Galp «está com mar­gens de re­fi­nação na ordem dos 9,8 dó­lares por barril de pe­tróleo re­fi­nado, quando o normal nos meses ho­mó­logos do ano an­te­rior era de 2 ou 3 dó­lares, tendo che­gado a 7 dó­lares em al­turas ex­tra­or­di­ná­rias».

«Uma margem de re­fi­nação de 9,8 dó­lares por barril em Março, face a mar­gens de 3,6 dó­lares por barril em Fe­ve­reiro, com uma re­fi­nação su­pe­rior a 300 mil barris por dia em Sines, dá cerca de 1,8 mi­lhões de euros por dia de ganho su­ple­mentar (a que se junta a margem co­mer­cial gros­sista e também os ga­nhos da ex­plo­ração de pe­tróleo) – e quem paga este ne­gócio é o povo por­tu­guês!», disse ainda o eleito co­mu­nista, antes de frisar que «o Go­verno tem ins­tru­mentos – apro­vados nesta AR – para in­tervir sobre as mar­gens, mas até agora nada fez nesse sen­tido».

Agri­cul­tura aper­tada e o con­su­midor paga

O ele­vado peço da energia pro­voca au­mentos em ca­deia, de­sig­na­da­mente nos bens e gé­neros es­sen­ciais. Além do que os con­su­mi­dores sentem, que se pode re­sumir num poder de compra que de­cresce à me­dida que crescem os lu­cros da grande dis­tri­buição, im­porta notar as di­fi­cul­dades que as­si­nalam a mai­oria dos pe­quenos e mé­dios agri­cul­tores.

Aos efeitos da seca, que se vi­nham fa­zendo sentir, juntou-se a es­pe­cu­lação sobre os preços da energia (ga­sóleo e elec­tri­ci­dade), que sobre-pres­si­onou os va­lores a pagar pelas ra­ções para ani­mais, pelos adubos e fer­ti­li­zantes. Muitos agri­cul­tores vivem as­fi­xi­ados e rei­vin­dicam me­didas, umas ur­gentes, ca­pazes de os apoiar a manter a ac­ti­vi­dade e repor o po­ten­cial pro­du­tivo, ou­tras de fundo, como aquelas que per­mitam sa­cudir a pressão da grande dis­tri­buição sobre os pro­du­tores ou as­se­gurar uma ca­pa­ci­dade de apro­vi­si­o­na­mento na­ci­onal que per­mita agir em caso de crise.

 

Pro­duzir para comer é de­ci­sivo

«Os úl­timos tempos en­car­re­garam-se de trazer à evi­dência os erros pro­fundos de uma po­lí­tica agrí­cola sub­me­tida às im­po­si­ções da União Eu­ro­peia (UE), com a apli­cação da Po­lí­tica Agrí­cola Comum (PAC), e aos in­te­resses do grande agro­ne­gócio na­ci­onal e dos prin­ci­pais países pro­du­tores do centro e norte da UE», co­meçou por de­nun­ciar João Frazão, ontem, em con­fe­rência de im­prensa.

Ora, nessa po­lí­tica, «apli­cada à vez por PS, PSD e CDS», es­teve e per­ma­nece au­sente «uma in­ter­venção pú­blica para ga­rantir a pro­dução de ali­mentos es­sen­ciais». Por outro lado, avulta o «des­prezo pela pe­quena e média agri­cul­tura», a «pro­moção da agri­cul­tura in­ten­siva e su­pe­rin­ten­siva», bem como a aposta «na pro­dução para a ex­por­tação e na ilu­sória te­oria do equi­lí­brio da ba­lança ali­mentar em valor».

Mais, si­na­lizou o di­ri­gente co­mu­nista, essa po­lí­tica «que nos trouxe a uma si­tu­ação de de­pen­dência que hoje as­sume con­tornos dra­má­ticos», também «não en­frenta, antes con­vive, com a con­cen­tração da grande dis­tri­buição, que ins­taurou um au­tên­tico oli­go­pólio» que impõe «preços baixos à pro­dução».

Atem­pa­da­mente, o PCP alertou para os pe­rigos e con­sequên­cias da PAC, re­jeitou a su­jeição do País a ela e as suas su­ces­sivas re­formas, «chamou a atenção para a vul­ne­ra­bi­li­dade por­tu­guesa», lem­brou ainda João Frazão, de­ta­lhando si­tu­a­ções re­centes que de­mons­traram e agra­varam as fra­gi­li­dades na­ci­o­nais.

Dé­fices bem pa­tentes no facto de Por­tugal de­pender do es­tran­geiro, «para a ali­men­tação hu­mana e animal, em 75 por cento no con­junto dos ce­reais, sendo que, no caso do milho a de­pen­dência é de 70 por cento e no trigo é de 95 por cento».

Dé­fices des­ta­pados

João Frazão pre­cisou, de­pois, com o exemplo da de­pen­dência de im­por­tação de milho da Ucrânia ou da sobre-im­por­tância da ex­por­tação de leite, carne de suíno ou vinho para a Rússia, agora alvo de san­ções, os efeitos da guerra em Por­tugal. Se a isto jun­tarmos os efeitos de uma seca pro­lon­gada que com­pro­mete cul­turas para a Pri­ma­vera e Verão - si­tu­ação que foi tra­tada com dis­pli­cência pelo Mi­nis­tério da Agri­cul­tura, acusou –, e «o au­mento ex­po­nen­cial dos custos dos fac­tores de pro­dução» nos úl­timos meses, ou seja, muitos antes da eclosão da guerra (hoje usada como pre­texto para agravar a «di­nâ­mica es­pe­cu­la­tiva», para «novos saltos in­fla­ci­o­nistas»), re­sulta clara a ne­ces­si­dade de outra po­lí­tica para o sector.

Nesse sen­tido, João Frazão re­clamou, no ime­diato, «ajudas di­rectas aos pro­du­tores» em vez de «novas li­nhas de cré­dito para sec­tores já muito en­di­vi­dados». A médio prazo, o Par­tido pre­tende o au­mento dos apoios ao ga­sóleo e a sua con­cre­ti­zação no caso da elec­tri­ci­dade verde; o «fi­nan­ci­a­mento de pe­quenas obras hi­dro­a­grí­colas»; «rever as op­ções da PAC e do PEPAC, as­se­gu­rando apoios ade­quados à pe­quena e média agri­cul­tura e à agri­cul­tura fa­mi­liar».

No plano es­tru­tural, «impõe-se, por um lado, a apro­vação de le­gis­lação que cla­ri­fique os usos da água em caso de risco de seca», bem como «ques­ti­onar o mo­delo de pro­dução as­sente na uti­li­zação in­ten­siva da água».

Para o PCP, é igual­mente de­ci­sivo ga­rantir «aos pe­quenos e mé­dios pro­du­tores preços justos e com­pen­sa­dores», o que «im­plica a as­sumpção, por parte do Es­tado, de es­tru­turas de re­colha e apro­vi­si­o­na­mento»; a «apro­vação de le­gis­lação que proíba a venda de pro­dução abaixo do preço de custo»; «conter os custos de energia e com­bus­tí­veis» e con­trolar os «preços dos fer­ti­li­zantes e dos pes­ti­cidas, de­sig­na­da­mente através da aqui­sição pelo Es­tado para dis­tri­buição pela pe­quena e média agri­cul­tura».

Re­forçar as «es­tru­turas do Mi­nis­tério da Agri­cul­tura para as­se­gurar o pla­ne­a­mento da po­lí­tica agrí­cola e o acon­se­lha­mento téc­nico aos agri­cul­tores», ou iden­ti­ficar «ter­renos com con­di­ções para a pro­dução de ce­reais» são também de ur­gente apli­cação, con­cluiu João Frazão.

 



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«O PCP apela aos tra­ba­lha­dores e às po­pu­la­ções que se mo­bi­lizem, que façam ouvir a sua in­dig­nação e pro­testo contra o au­mento do custo de vida e travem, com a sua acção, o pro­cesso em curso para subir preços, au­mentar juros, pro­mover a es­pe­cu­lação e atacar di­reitos e con­di­ções de vida dos tra­ba­lha­dores, dos re­for­mados, das po­pu­la­ções».