Roe vs o século XVIII

António Santos

A pior violação dos direitos humanos é decretar que os humanos não têm direitos. É isso que os EUA se preparam para fazer, revertendo a Roe vs Wade, como ficou conhecida a decisão do Supremo Tribunal que, desde 1973, garante a todas as mulheres desse país o direito a interromperem voluntariamente a gravidez.

O rascunho legislativo, escorrido para a Imprensa numa rara fuga de informação cuja autenticidade foi, entretanto, confirmada pelo Supremo, levantou o véu que cobria o reaccionarismo mais ultramontano dos EUA. Para os juízes Samuel Alito, Clarence Thomas, Neil Gorsuch, Brett Kavanaugh e Amy Coney Barrett, se a Constituição dos EUA, redigida no século XVIII em que as pessoas se deslocavam a cavalo e iluminavam as casas com velas, não fala em interrupção voluntária da gravidez, então ela não é um direito. Aplique-se rigorosamente esta nova, e simultaneamente tão velha, lógica e cortam-se de uma assentada todos os direitos humanos arduamente conquistados ao longo dos últimos 235 anos. Tão provável e facilmente como cinco pessoas sozinhas acabarem com um direito que 150 milhões de mulheres tinham há 50 anos.

Os democratas, claro, ensaiam já uma ópera bufa no Senado, mas qualquer iniciativa legislativa para encouraçar Roe está, à partida, condenada ao fracasso, uma vez que o Partido Democrata não conta com os 60 senadores necessários para derrubar o bloqueio republicano. Não era assim em 2009, quando Obama dispunha de uma super-maioria nas duas câmaras que lhe permitia inscrever permanentemente o direito ao aborto na lei federal. Não o fez unicamente porque, justificou então, «não é a minha maior prioridade legislativa».

O resultado esperado será a criminalização da interrupção voluntária da gravidez em 26 dos 50 Estados, muitos dos quais têm já reformas legais engatilhadas com a decisão do Supremo. Em alguns destes Estados, como a Louisiana, o aborto será mesmo considerado homicídio, punível com a pena de morte: uma estranha forma de ser «pró-vida», comparável apenas à estranha forma de «liberdade» de um regime que obriga uma mulher a parir, para depois a obrigar a pagar dezenas de milhares de dólares pelo parto e finalmente a proibir de tirar uma licença de maternidade.




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