Ratazanas e Materialismo

Filipe Diniz

No mundo me­diá­tico tudo é si­mul­tâneo, e de vez em quando coisas apa­ren­te­mente di­versas talvez façam sen­tido juntas. Uns exem­plos:

Uma ve­re­a­dora de Paris, com o pe­louro da con­dição animal, é con­fron­tada com o pro­blema da in­fes­tação de ratos em zonas de ha­bi­tação so­cial. Res­ponde es­cla­re­cendo que uti­li­zará a pa­lavra sur­mulot para se re­ferir aos bi­chos, por ser «menos ne­ga­tiva» do que ra­ta­zanas. De­pois des­carta-se, su­ben­ten­dendo-se que tem o mesmo res­peito pelos sur­mu­lotsque pelos mo­ra­dores.

Um spot pu­bli­ci­tário em que, sob a forma de no­ti­ciário te­le­vi­sivo, se in­forma que numa certa lo­ca­li­dade o fim-de-se­mana passou a três dias. O dia ganho seria oferta de um per­so­nagem que ga­nhara o Eu­ro­mi­lhões. Sendo certo que a lata destes pu­bli­ci­tá­rios não tem li­mite, talvez as im­pli­ca­ções da cam­panha vão mais longe. So­bre­tudo porque – aci­den­tal­mente ou não – coin­cide no tempo com a apre­sen­tação das pro­postas do go­verno sobre «tra­balho digno», na re­a­li­dade o in­verso das pa­la­vras que usa. In­cluindo a re­cusa da re­dução do tempo de tra­balho de todos os tra­ba­lha­dores para as 35 horas.

Sobre a se­mana de quatro dias, a ine­nar­rável mi­nistra do Tra­balho fala de um «pro­jecto pi­loto» com al­gumas em­presas e, está claro, re­mete para a «con­cer­tação so­cial». Que a se­mana de quatro dias passe na «con­cer­tação so­cial» que existe é se­me­lhante a es­perar que ela re­sulte do Eu­ro­mi­lhões.

Há nesta pro­xi­mi­dade entre es­colha de pa­la­vras, spot pu­bli­ci­tário e acção do go­verno, in­dí­cios de um traço cada vez mais mar­cante no com­por­ta­mento po­lí­tico da classe do­mi­nante: a con­vicção de que pa­la­vras e ficção (pu­bli­ci­tária ou não) al­teram a re­a­li­dade. A re­a­li­dade ma­te­rial en­car­rega-se de a des­mentir.

Para as po­pu­la­ções e para os tra­ba­lha­dores a so­lução não sairá nunca de pa­la­vras nem do Eu­ro­mi­lhões. Sairá da or­ga­ni­zação, da mo­bi­li­zação e da luta. Que está aí e cresce.




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