Trincheiras

João Frazão

Não se pretende com estas linhas fazer julgamentos em praça pública nem antecipar conclusões que à justiça caberá, até porque o problema principal não são os protagonistas, são as políticas e os interesses a que servem.

Dizem-nos que um dos empresários da moda, protótipo dos empreendedores nacionais, exemplo de sucesso no capitalismo luso e vedeta de televisão, dono de uma grande empresa de turismo a operar no Douro, está indiciado por crimes económicos, entre outros no caso da compra do navio Atlântida.

Acontece que a história do Atlântida está envolta em muitos outros episódios que atingiram foros de crimes de lesa pátria, com importante papel da destruição da empresa pública. Estaleiros Navais de Viana do Castelo, entregue por tuta e meia a outros protagonistas do nacional novo-riquismo.

Repare-se que o Atlântida era, reconhecidamente, uma jóia, a que aliás os operários dos ENVC habituaram o País ao longo de décadas, construída por encomenda da empresa regional dos Açores que fazia a ligação entre ilhas e foi rejeitado depois de pedidos suplementares do comprador terem levado a uma diferença na potência que conseguiu atingir nas provas de mar.

Quem foram os que, no Governo da República, fizeram vista grossa a uma tal birra que levaria os ENVC a ter de devolver valores adiantados e a ficar com um navio feito propositadamente para ali?

Quem foram os que, no Governo Regional, pactuaram com a decisão da administração da empresa regional, sabendo os custos que isso teria para o País?

Quem foram os que entregaram o navio ao desbarato, exactamente como fizeram com os próprios estaleiros?

Quem foram, e ao serviço de quem, ao longo de anos, os que urdiram a teia de descapitalização dos ENVC, de limitação das suas actividades, de desprezo pelos seus melhores activos, os trabalhadores?

As respostas são as do costume. À vez, PS, PSD e CDS revezaram-se na destruição de uma das mais importantes empresas nacionais, que assegurava à região de Viana do Castelo uma vida e uma receita que agora estão condicionadas pelos interesses do lucro privado.

A história do capitalismo é esta. Como de novo está bem de ver, no processo da entrega dos aeroportos nacionais à Vinci, o capital usa sempre os seus representantes políticos para assegurar a acumulação da riqueza. E há os que, como o PCP, se posicionam sem dúvidas ou tibiezas do lado dos trabalhadores e da produção nacional.

Hoje continuamos todos nas mesmas trincheiras.




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