Acordos e truques

A re­cente en­trega e apre­sen­tação do Or­ça­mento do Es­tado para 2023 foi an­te­ce­dida pelo Go­verno por uma ce­ri­mónia de as­si­na­tura de um acordo de nome pom­poso, subs­crito por pa­trões e UGT. O acordo foi, se­gundo os pró­prios sig­na­tá­rios, fe­chado à pressa pelo Go­verno, apa­ren­te­mente com o ob­jec­tivo de o poder anun­ciar e ga­rantir a tal ce­ri­mónia antes da en­trega do OE – de tal forma que, inu­si­ta­da­mente, essa ce­ri­mónia teve de de­correr a um do­mingo.

Porquê a pressa em fazê-lo? A res­posta passa por dois tru­ques que es­ti­veram pre­sentes na forma como o acordo entre pa­trões e UGT, e a apre­sen­tação do OE, foram tra­tadas no plano me­diá­tico. De facto, na con­fe­rência de im­prensa de se­gunda-feira, o mi­nistro das Fi­nanças pôde apre­sentar as al­te­ra­ções ao IRS re­cor­rendo a dois tru­ques: pri­meiro, apre­sen­tando re­sul­tados que são pre­vistos apenas para 2024; se­gundo, apre­sen­tando acrés­cimos de ren­di­mentos para os tra­ba­lha­dores em re­sul­tado das me­didas pre­vistas no Or­ça­mento, as­su­mindo au­mentos sa­la­riais pre­vistos no tal acordo.

Ou seja, o Go­verno anuncia au­mentos dos tra­ba­lha­dores em con­sequência do seu Or­ça­mento, quando na ver­dade está à es­pera que os pa­trões façam au­mentos sa­la­riais com que nem o Go­verno se com­pro­mete. Pa­rece que essa con­fi­ança existe apenas no Mi­nis­tério das Fi­nanças, já que o pró­prio pre­si­dente da CIP, An­tónio Sa­raiva, re­agiu da se­guinte forma à as­si­na­tura do acordo: «Os as­tros terão de ser ali­nhar, tendo em conta as con­di­ções ex­ternas im­pre­vi­sí­veis.»

Mas o tal acordo teve ainda um outro condão, aliás comum a todos os acordos que já vimos as­si­nados pelos mesmos pro­ta­go­nistas: criar um ob­jecto que possa ser usado para com­bater a ca­pa­ci­dade rei­vin­di­ca­tiva e a luta dos tra­ba­lha­dores. E para este ob­jec­tivo, im­porta des­tacar a forma como o com­pro­misso da UGT e a opo­sição da CGTP-IN a estes acordos são re­cor­ren­te­mente tra­tados no es­paço me­diá­tico. De novo, usemos as de­cla­ra­ções dos pró­prios sig­na­tá­rios do acordo, no caso o se­cre­tário-geral da UGT: «Este é o acordo pos­sível.» Apesar de, como no pas­sado, a UGT cau­ci­onar acordos que não res­pondem às ne­ces­si­dades dos tra­ba­lha­dores, como os seus pró­prios di­ri­gentes re­co­nhecem, esta é ele­vada a «res­pon­sável» re­pre­sen­tante dos tra­ba­lha­dores.

Pelo con­trário, a CGTP-IN é pin­tada de «ir­res­pon­sa­bi­li­dade», quando não de «cor­reia de trans­missão» do PCP. A CGTP-IN é apre­sen­tada como «nunca as­sina», omi­tindo que o seu cri­tério é se o con­teúdo é ou não fa­vo­rável aos tra­ba­lha­dores. Já as­sinou acordos, cu­ri­o­sa­mente ne­nhum foi ver­da­dei­ra­mente cum­prido. O úl­timo, que es­ta­be­lecia o au­mento do sa­lário mí­nimo na­ci­onal para 500 euros em 2011, foi posto de lado, só quatro anos mais tarde esse valor foi fi­xado.

Neste jogo me­diá­tico a me­mória his­tó­rica é dei­xada à porta e os factos são usados de acordo com a con­ve­ni­ência da con­clusão a que se quer chegar. Al­guém se lembra de ouvir falar, pelos úl­timos dias, do des­tino e dos re­sul­tados para os tra­ba­lha­dores de an­te­ri­ores acordos? De­certo que não, o que se sabe é que os «re­pre­sen­tantes dos tra­ba­lha­dores» as­si­naram um acordo com os pa­trões com «van­ta­gens ine­gá­veis».

Mas, apesar do ne­vo­eiro me­diá­tico, cada vez mais se aper­cebem que, no fim do mês, as contas não se pagam com «van­ta­gens ine­gá­veis».



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