Ver a casa por um canudo… Não tem de ser assim!

Belmiro Magalhães (Membro da Comissão Política)

As medidas do Governo não beliscam os interesses financeiros especulativos

Todos os dias abundam nas notícias títulos como «subida dos juros afecta famílias», «preços das rendas continuam a aumentar», «valores das habitações aceleram». É uma amostra de como estão as coisas.

O acesso à habitação é um direito constitucional, mas as opções dos sucessivos governos PS, PSD e CDS pouco mais fizeram do que promover a especulação: décadas de política de direita resultam na confrontação do direito a uma habitação condigna. A perigosa dinâmica especulativa que transformou o acesso à habitação num negócio vai muito para além de Lisboa e do Porto. Há muito que, de Norte a Sul, os preços subiram significativamente, em flagrante contraste com os salários, reformas e pensões.

Braga era um concelho falado por ter preços mais baixos do que outras cidades. Essa é uma realidade ultrapassada. Entre 2021 e 2022, de acordo com o INE, os valores de venda das casas aumentaram 17,5%. Observando outros concelhos do distrito, verifica-se a mesma tendência: Guimarães 11%; Vila Nova de Famalicão 9,4%; e Barcelos 26,7%. São números significativos e que acumulam com subidas anteriores.

Em Portugal existem 1,4 milhões de contratos de crédito à habitação. Os portugueses foram empurrados para o endividamento, com a compra de habitação própria financiada por créditos bancários frequentemente com 30, 40 e até 50 anos de duração, nas condições que a banca impôs. Cerca de 90% destes estão associados às variações de taxas determinadas pelo BCE, que nos últimos meses já promoveu quatro aumentos e tudo aponta para que não fique por aqui.

Estamos a falar de aumentos muito pesados nas prestações. A subida das taxas de juro aparece como a principal resposta neoliberal à inflação e, mais uma vez, são os mesmos de sempre a pagar...

Servir a especulação

O Parque Habitacional Público representa 2% do total, muito longe de outros países – como Suécia, Finlândia ou Holanda, onde ronda os 30%. O seu estado, em geral, é de degradação, confirmando a continuada opção de desinvestimento e fragilização do IRHU. Em Guimarães, a situação dos bairros N.ª Sr.ª da Conceição e Gondar demonstra esta lamentável realidade: obras por realizar, espaços envolventes sem manutenção e aumentos abruptos das rendas têm merecido a mobilização continuada dos moradores.

O arrendamento foi profundamente precarizado com a Lei Cristas e o Governo do PS é condescendente com a situação. Para além dos preços escandalosos, os contratos são de curta duração. Multiplicam-se os despejos, os moradores mais antigos são pressionados a abandonar as suas casas e aos mais jovens são colocados valores incomportáveis. Em Braga, não é fácil encontrar um T2 jeitosinho por menos que 900 euros/mês!

As opções que o Governo vai tomando não beliscam os grandes interesses financeiros. Não passam de uma soma de anúncios com pouca tradução prática, tantas vezes com um alijar de responsabilidades para as autarquias.

Esta semana, António Costa, numa iniciativa partidária em Braga, dedicou palavras bonitas ao tema da habitação e voltou a fazer anúncios, nomeadamente em torno do programa Porta 65, mas, novamente, não há motivos para alimentar expectativas.

Há alternativa

Porém, não tem que ser assim. O PCP tem propostas de grande alcance que encontram oposição no PS, PSD, Chega e IL. Mas a realidade confirma a sua necessidade e o PCP vai continuar a insistir, como fez novamente na Assembleia da República.

Perante a situação que temos, não é de elementar justiça reclamar um regime especial para protecção da habitação própria à subida das taxas Euribor, que tenha como primeira consequência a redução das imensas margens de lucro dos bancos, assegurando que a totalidade dos encargos com o crédito não ultrapasse o valor definido no início do contrato da TAEG?

Não reclama a possibilidade de renegociação dos contratos sempre que o crédito represente mais de 35% de taxa de esforço em termos que reequilibrem a favor do cliente uma relação que é profundamente desigual, a par da garantia de impenhorabilidade da habitação própria? E um regime especial para a protecção da habitação arrendada, com o limite de actualização da renda de 0,43%, incluindo para os novos contratos? Não deveria o Governo determinar a fixação de um spread máximo de 0,25% a praticar pela CGD, com efeito previsível na redução geral dos spreads? E a concretização do alargamento da oferta pública de habitação com o objectivo de disponibilizar 50 mil casas até 2026?

A garantia do direito constitucional a uma habitação digna é uma das dimensões da alternativa patriótica e de esquerda que o PCP propõe. A luta vai continuar!




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