(Im)parciais

Anabela Fino

«A di­plo­macia em pri­meiro lugar», pro­me­tida por Biden ao chegar à Casa Branca, pa­rece uma piada de mau gosto quando se as­siste à es­ca­lada de­sen­freada do dito or­ça­mento da «De­fesa». De­pois de terem apro­vado para 2023 o maior or­ça­mento mi­litar da his­tória, os EUA pre­param-se este ano para romper todas as bar­reiras e alocar mais de 950 mil mi­lhões de dó­lares às des­pesas mi­li­tares, o que co­loca a fas­quia da cor­rida para a guerra à beira de 1 bi­lião de dó­lares.

Se­gundo o órgão on­line Truthout, ci­tando dados do Pro­jecto Custos de Guerra da Brown Uni­ver­sity, na origem da es­ca­lada de­sen­freada de custos está uma es­tra­tégia de su­pe­ração mi­litar global, in­cluindo 750 bases mi­li­tares dos EUA es­pa­lhadas por todos os con­ti­nentes, ex­cepto na An­tár­tida; 170 000 sol­dados es­ta­ci­o­nados no es­tran­geiro e ope­ra­ções «an­ti­ter­ro­ristas», agora re­bap­ti­zadas «de com­bate ao ex­tre­mismo vi­o­lento», em pelo menos 85 países.

Com cerca de 100 ogivas nu­cle­ares ar­ma­ze­nadas na Eu­ropa, em bases aé­reas na Bél­gica, Ale­manha, Itália, Países Baixos e Tur­quia; com bases mi­li­tares da NATO na Es­tónia, Le­tónia, Li­tuânia, No­ruega e Po­lónia – todos fa­zendo fron­teira com a Rússia –, e com a adesão da Fin­lândia e a Suécia na calha, os EUA clas­si­ficam de «pe­ri­gosa e ir­res­pon­sável» a de­cisão de Mos­covo de co­locar armas nu­cle­ares na Bi­e­lor­rússia, en­quanto a União Eu­ro­peia con­si­dera que tal facto seria uma «es­ca­lada ir­res­pon­sável e uma ameaça à se­gu­rança eu­ro­peia». O bu­sílis da questão, como se com­prova, não é a arma, mas o dono: o nu­clear é bom se for ame­ri­cano e mau se for russo. E isto apesar de os EUA con­ti­nu­arem a deter o ex­clu­sivo de um ataque nu­clear.

A mesma ló­gica pre­side à des­va­lo­ri­zação e me­nos­prezo das ini­ci­a­tivas de paz, como a apre­sen­tada pela China para pôr fim à guerra na Ucrânia, em con­tra­ponto com o en­tu­siás­tico aco­lhi­mento oci­dental da de­cisão do TPI de emitir, no curto es­paço de um ano, um man­dado de de­tenção contra o pre­si­dente russo, Vla­dimir Putin, acu­sando-o do crime de guerra de de­por­tação ilegal de cri­anças.

No calor do aplauso «es­queceu-se» que o Pro­motor Kan res­pon­sável pela me­dida é o mesmo que em 2021 aban­donou a in­ves­ti­gação dos lí­deres ame­ri­canos e seus ali­ados por crimes de guerra no Afe­ga­nistão. O inqué­rito pre­li­minar foi ini­ciado em 2007, mas a au­to­ri­zação para a in­ves­ti­gação ofi­cial de­morou 13 anos a chegar. O TPI re­co­nheceu que havia mo­tivos ra­zoá­veis ​​para acre­ditar que ti­nham sido co­me­tidos crimes de guerra, in­cluindo tor­tura, ul­traje à dig­ni­dade pes­soal, es­tupro e ou­tros tipos de vi­o­lência se­xual nos cen­tros de de­tenção, no en­tanto, em 2021, de­pois das san­ções de Trump, «in­ves­ti­gação im­par­cial» passou a visar só ta­libãs e mem­bros do ISIS. É a «Jus­tiça» Oci­dental.

Não há guerras limpas, bem sa­bemos. Mas por isso mesmo é que não se pode pac­tuar com a hi­po­crisia.




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