Negociar também com as residências universitárias

Manuel Gouveia

Causou certa in­dig­nação, pelo menos nas redes so­ciais, o facto de Mo­edas ter inau­gu­rado a se­mana pas­sada uma re­si­dência uni­ver­si­tária que anuncia preços entre os 700 e os 1100 euros de renda mensal. Mas a in­dig­nação – justa, su­blinhe-se – em muitos casos só pode re­sultar de al­guma dis­tração. Há poucos meses, foi o Go­verno quem anun­ciou uma fu­tura re­si­dência uni­ver­si­tária em Santa Apo­lónia, numa PPP que também «ofe­rece» quartos a 700 euros e camas (para bol­seiros) a 219 euros. E há muitos mais pro­jectos desses em curso.

Es­tamos pe­rante um novo ne­gócio. O das re­si­dên­cias de es­tu­dantes. Mon­tadas quase sempre sobre pa­tri­mónio pú­blico, re­cor­rendo a fundos pú­blicos, des­ti­nando-se for­mal­mente a cum­prir ob­jec­tivos pú­blicos, mas no fundo li­mi­tando-se a criar mais opor­tu­ni­dades para a acu­mu­lação pri­vada, con­tri­buindo ainda para a ló­gica de mer­cado que tem feito dis­parar o preço da ha­bi­tação em Por­tugal, e par­ti­cu­lar­mente em Lisboa.

O Es­tado podia – devia! – ter pe­gado em algum desse pa­tri­mónio pú­blico (talvez não pre­ci­sa­mente Santa Apo­lónia), ter in­ves­tido esses fundos pú­blicos na sua mo­der­ni­zação, e ter co­lo­cado à dis­po­sição dos es­tu­dantes uni­ver­si­tá­rios umas largas cen­tenas de re­si­dên­cias a preços aces­sí­veis, con­tri­buindo ainda para uma re­dução geral do preço dos ar­ren­da­mentos.

Seria me­lhor para o País, e par­ti­cu­lar­mente para os es­tu­dantes e suas exau­ridas fa­mí­lias. Mas não es­taria a criar mais uma opor­tu­ni­dade de ne­gócio à banca, aos fundos imo­bi­liá­rios e ao grande ca­pital em geral. E é para isso que PS, PSD, IL e CH vivem.

Para tudo agravar, estas re­si­dên­cias não se des­tinam ver­da­dei­ra­mente ao «mer­cado dos es­tu­dantes por­tu­gueses». Elas des­tinam-se a apoiar a aber­tura do ne­gócio uni­ver­si­tário, como rei­vin­di­cava re­cen­te­mente a ex-mi­nistra Maria de Lurdes Ro­dri­gues, ac­tual Rei­tora do ISCTE, «so­bre­tudo para os es­tu­dantes in­ter­na­ci­o­nais», no­me­a­da­mente «norte-ame­ri­canos».




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