Sacrifícios para o povo, o grande capital a ganhar

No último ano e meio, os preços não pararam de crescer, sobretudo naquilo que é essencial: os alimentos, a electricidade, o gás, os combustíveis, a habitação.

Em Novembro, a inflação ultrapassou os 10%, mas em muitos produtos alimentares os aumentos verificados foram muitíssimo superiores. No caso dos créditos à habitação, a subida das prestações atingiu centenas de euros mensais.

Em Março, o INE registou (Índice de preços no consumidor, Taxa de variação homóloga) uma ligeira descida, face ao mês anterior: 7,41% no Continente. Mas este valor é muito superior na classe dos produtos alimentares não transformados: 19,26%.

Na publicação destes dados, a 13 de Abril, o INE assinalou que «apesar de um abrandamento da inflação (redução da variação homóloga do IPC), o nível médio dos preços tem mantido uma trajectória de subida, atingindo em Março de 2023 o valor mais elevado da série, 12,5% superior ao nível médio de preços do ano de 2021».

O que não abranda é o preço da habitação, seja em aluguer ou em aquisição. Cada família sente, no seu dia-a-dia, o que significa este custo. Isso também é mostrado nas estatísticas.

Em 2022, o Índice de Preços da Habitação (IPHab, que considera transacções de alojamentos familiares, divulgado pelo INE a 22 de Março) aumentou 12,6% (mais 3,2 pontos percentuais do que em 2021).

As Estatísticas de Rendas da Habitação (INE, 29 de Março) mostram que, no quarto trimestre de 2022, a renda mediana dos 22 628 novos contratos de arrendamento, em Portugal, atingiu 6,91 euros por metro quadrado, o que significa um crescimento homólogo de 10,6%.

Perturbações nas cadeias de produção e abastecimento, ocorridas após as medidas de resposta à COVID-19, a escalada de guerra na Ucrânia e a política de sanções, que impõe aquisições em mercados mais caros (cujos preços, por sua vez, aumentam com a subida da procura), são factores que ajudam a explicar a situação, mas não explicam tudo.

Há também o aproveitamento, promovido pelos grupos monopolistas, em torno da inflação e da instigação da guerra (com reflexo na indústria mundial do armamento), e que se expressa nos lucros brutais que estão a alcançar.

O resultado ficou bem à vista, em Portugal como noutros países da UE, nos números dos elevados lucros alcançados pelos principais grupos económicos dos sectores mais afectados pela inflação (grande distribuição alimentar, banca e seguros, sector energético).

Por cá, em 2022, o Grupo Jerónimo Martins (Pingo Doce) lucrou mais de 600 milhões de euros, o mais alto valor de sempre, e a Sonae (Continente) 407 milhões; a GALP registou lucros de 1 104 milhões e a EDP 1 170 milhões; os principais bancos viram os lucros ultrapassar os 2 500 milhões, naquele que alguém chamou o «super ano» do sector.

Em 2022, enquanto a vida de milhões de portugueses se degradava, 20 dos principais grupos económicos (não incluindo empresas estrangeiras) registaram lucros de mais de 7 200 milhões de euros, ou seja, mais 2 168 milhões de euros do que em 2021, o que representa um crescimento de cerca de 43%.

Nestes lucros – que se somam aos alcançados nos anos anteriores, mesmo quando se faziam mais sentir as consequências da COVID-19 e das medidas para a combater – residem as dificuldades crescentes daqueles (e tantos que são) que têm de optar entre aquecer a casa e ir à farmácia, ou que não conseguem fazer face aos aumentos das prestações bancárias, arriscando-se a perder as suas casas.

A injustiça é ainda maior perante os baixos rendimentos da generalidade da população.

De acordo com o Inquérito às Condições de Vida e Rendimento (publicado pelo INE a 20 de Janeiro de 2023, reportando aos rendimentos em 2021), 2 006 000 pessoas encontravam-se em risco de pobreza ou exclusão social. Como limiar de risco de pobreza são considerados rendimentos monetários anuais líquidos, por adulto equivalente, inferiores a 6 608 euros (551 euros por mês).

A taxa de pobreza ou exclusão social foi, assim, de 19,4%. Este indicador é de 10,3% entre a população empregada, e de 43,4% na população desempregada.

Na Gestão de Remunerações da Segurança Social, verifica-se que, em 2022, no total das remunerações declaradas (5 562 950), 73,7% foram de valores até mil euros e 58,3% até 800 euros.

 

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