Decadência

Jorge Cadima

Nos EUA alastra a pobreza entre quem trabalha

A decadência dos EUA é evidente. Basta olhar para Biden, Trump e as ferozes lutas intestinas do poder. Nas últimas décadas, o capitalismo nos EUA refugiou-se cada vez mais na financeirização e desindustrialização, nas guerras, na pilhagem, crime e especulação. Tudo isto tem custos.

O FMI estima que a China terá este ano 19% do PIB mundial (em Paridade de Poder de Compra), os EUA pouco mais de 15%. A diferença é bem maior se apenas se considerar a produção material. Segundo o Banco Mundial (worldbank.org) o valor acrescentado industrial da China em 2021 foi (em dólares) quase igual ao dos EUA e UE em conjunto.

A mudança de critérios nas estatísticas oficiais esconde por vezes os problemas. O portal shadowstats.com calcula estatísticas paralelas com critérios oficiais usados no passado. Em 1994, as taxas de desemprego nos EUA deixaram de incluir os desempregados de longa duração que desistiam de procurar emprego. Incluindo-os, o portal estima o desemprego nos EUA em cerca de 25%, cinco vezes maior que a taxa oficial. Usando os critérios de 1980, estima a subida do índice de preços ao consumidor nos EUA em mais de 13% (em vez dos 5% oficiais). Aplicando a correcção, estima que o PIB dos EUA tem caído desde há vários anos (e não crescido, como dizem os números oficiais).

Mais difícil de ignorar é a dívida. O Congresso dos EUA foi chamado a autorizar um novo aumento do tecto para a dívida nacional, que é actualmente de 31 biliões de dólares. Relativamente ao PIB, são cerca de 120%. Excluindo deste montante a dívida a outras entidades oficiais dos EUA, a dívida pública é de 25,7 biliões. Mas o Gabinete Orçamental do Congresso (CBO) estima que nos próximos dez anos irá quase duplicar para 46,5 biliões! A economia dos EUA é cada vez mais um conto de fadas. Desde 2008 que o sistema financeiro vive de apoios estatais. De cada vez que as autoridades ensaiam retirar os apoios, entra em estertor. Ainda o mês passado foi assim, com a falência de dois bancos.

Para a finança e a guerra há sempre dinheiro. Ou melhor, dívida pública. Mas para o povo dos EUA, o «sonho americano» é cada vez mais um pesadelo. Alastra a pobreza, mesmo entre quem trabalha. Quase 600 mil não têm casa e vivem na rua ou em abrigos (endhomelessness.org). Vídeos dramáticos proliferam na internet sobre a epidemia de droga em grandes cidades. Muitos parecem filmes de zombies. Num ano, morreram de overdose mais de 110 000 pessoas (npr.org, 31.12.22). A National Public Radio diz que «peritos de políticas de droga concordam que as grandes farmacêuticas [Big Pharma] desencadearam esta crise de saúde pública ao comercializar e vender de forma agressiva opióides» altamente viciantes. Num país sem serviço público de saúde e sem baixas médicas universais, analgésicos potentes são a alternativa «liberal». As overdoses de fentanil são a maior causa de morte na faixa etária dos 18 aos 45 anos (foxnews.com, 16.12.21). Drogar sectores populares é, além de lucrativo, uma forma de camuflar o impacto das crises e de controlar o conflito social. Segundo dados oficiais (cdc.gov), a esperança de vida dos norte-americanos continua a baixar, sendo agora a mais baixa das últimas duas décadas (npr.org, 22.12.22). O importante é mandar armas para a Ucrânia e fomentar a guerra contra a China.




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