A crise bancária

Luís Carapinha

A crise bancária insere-se num quadro de problemas estruturais da economia dos EUA

O colapso do 14.º banco dos EUA volta a chamar a atenção para o estado precário da economia norte-americana, apesar do coro de comentadores da comunicação dominante asseverar que exala saúde por todos os poros. A queda do First Republic Bank converteu-se na segunda maior falência de sempre de um banco dos EUA e na terceira grande falência bancária desde Março, quando tombaram o Silicon Valley Bank e o Signature Bank.

Acicatada pela política da Reserva Federal de subida das taxas de juro – a taxa directora encontra-se ao nível mais alto desde 2006 –, o FRB sofreu uma desvalorização abrupta e uma massiva fuga de depósitos obrigando à sua intervenção e venda ao JPMorgan, por sinal o maior banco norte-americano. Biden, após o colapso do SVB, havia garantido que o sistema bancário dos EUA é seguro e afirmou, após o resgate do FRB, que o sistema bancário está «são e salvo». Tal é improvável. Estima-se que um total de 186 bancos norte-americanos acumule mais de 620 mil milhões de dólares de perdas não realizadas. O Pacific Western Bank com uma quebra das acções de 50% perfila-se como a bancarrota que se segue. O problema não é só apanágio dos EUA, como se viu recentemente na Europa com o colapso do gigante Credit Suisse e a sua aquisição pelo UBS, o maior banco suiço.

A crise bancária remete para um quadro estrutural de problemas e constrangimentos na maior economia capitalista, numa conjuntura em que avultam as taxas de crescimento anémico do PIB, o lastro da financeirização, os níveis persistentes da inflação, o elevado endividamento – agora dramatizado com o tradicional braço-de-ferro entre o Congresso e a Casa Branca em torno da subida do tecto orçamental da dívida, cujo limite legal de 31.4 biliões de dólares (120% do PIB) foi esgotado – e em que persistem os efeitos das recessões de 2007-09 e 2020. O cenário de uma aterragem turbulenta da economia e de uma nova recessão nos EUA é real, coincidindo com o próximo período eleitoral.

Multiplicam-se os factores de incerteza e turbulência no plano interno e à escala internacional. A erosão da hegemonia mundial do dólar, sem a qual os défices da economia norte-americana seriam incomportáveis, ganha nova dimensão, no reverso da medalha da estratégia de confrontação do imperialismo contra a Rússia e a China. Washington faz também pagar aos seus «aliados» do G7 a factura do declínio relativo no plano mundial (os EUA são hoje 51% do PIB do G7 contra 43% em 1990 em termos de ppc). Facto bem visível na guerra em curso na Ucrânia.

É neste contexto complexo que se acentua o processo de centralização e concentração de capitais. A reestruturação do sistema bancário dos EUA será ditada pelos magnos interesses de Wall Street. Os colossos da banca, liderados pelo JPMorgan, que detêm 2/3 dos activos do sector irão engordar ainda mais, aprofundando a posição monopolista. O resgate do FRB é um bom negócio para o JPMorgan, com os prejuízos assumidos pelo estado e os lucros privatizados. As crises são sempre uma potencial oportunidade para o grande capital, mas o processo inaudito de centralização e concentração capitalista é sinónimo da agudização das contradições fundamentais do sistema, ainda mais num mundo em que a chamada fragmentação geoeconómica ganha velocidade e a primazia económica dos EUA + G7 enfrenta desafios sem precedentes.




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