Quasi tutti frutti

Manuel Gouveia

O RAP fez o gag e a malta riu-se. Há de facto um lado anedótico (não há sempre?) nas tentativas dos deputados do Chega de normalizarem o seu acesso aos telemóveis dos outros «políticos». E de uma forma ou de outra, eles lá foram solicitando o acesso a vários deles ao longo da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI).

A coisa já tinha começado com muita malta a lambuzar-se com as trocas de mensagens em WhatsApp entre membros do Governo e administradores da TAP. E a semana passada tivemos o País inteiro a ouvir as trocas de mensagens de deputados do PSD no caso «tutti-frutti».

O conteúdo das mensagens é grave? Claro que sim, apesar de não se poder falar em grandes novidades, pois acordos entre o PS e o PSD para candidaturas articuladas (uma forte e uma fraca) às autarquias são uma evidência desde que ambos aprenderam, com a derrota das coligações de 1985 contra o PCP, que fazê-lo às claras era muito arriscado. Mas o facto do conteúdo ser grave não justifica que mensagens privadas, obtidas legalmente no seio de uma investigação judicial, estejam a ser ilegalmente publicadas e discutidas por todo o lado.

Há uma normalização de comportamentos pidescos. E essa normalização não traz nenhuma transparência à vida política nacional, só traz mais fumaça. Um exemplo é, exactamente, os trabalhos da dita CPI. Ela destapou coisas de uma gravidade brutal, coisas que o PCP sempre denunciou, como a dimensão das perdas com a compra da ex-VEM ou as negociatas dos privados com os aviões. E não precisou de escutas ou leituras de mensagens privadas para o fazer. Bastou que um conjunto de documentos fossem tornados menos confidenciais.

Mas o poder económico, que é quem direcciona os holofotes da comunicação social, prefere centrar-se naquilo que o deixa incólume. E ao mesmo tempo que ergue barreiras a que sejam conhecidos os termos em que verdadeiramente actua – tudo aí é naturalmente confidencial, secreto, protegido – arroga-se no direito de expor publicamente – e sem limites – tudo o resto. Porque mesmo «os seus» políticos, essa salada nojenta que envolve quase toda a fruta, devem estar suficientemente fragilizados para temerem o poder do poder económico.

 



Mais artigos de: Opinião

O que realmente importa: esclarecer, mobilizar, intervir

No quadro da situação actual e da multiplicidade de respostas a dar, é inegável a crescente acção de massas que, a partir de problemas concretos, se tem vindo a verificar. Podem os do costume ignorá-las ou minimizar a sua importância para fazerem prevalecer as suas teorias, algumas bem velhas...

O declínio do «Ocidente»

Hoje está geralmente assumido que o sistema capitalista atravessa sérias dificuldades. Cresce a inquietação nas fileiras da classe dominante. A euforia triunfalista que acompanhou o desaparecimento da União Soviética (o «fim da história», lembram-se?) já lá vai. Reconhece-se já abertamente que o centro imperialista, que...

Tem dias

O embaixador dos EUA em Pristina, Jeffrey Hovenier, e o secretário de Estado Antony Blinken condenaram, a semana passada, o «recurso à violência por parte de Pristina para forçar a entrada em três autarquias do Norte do Kosovo, cujos edifícios foram bloqueados pela minoria sérvia que não reconhece as autoridades locais»...

Regras e armas

Quase todas as semanas somos confrontados com imagens de violência brutal que nos chegam dos EUA e que, numa grande parte das vezes, envolvem o uso de armas por crianças e adolescentes, nomeadamente em contexto escolar. A situação é tal que, só nos primeiros quatro meses deste ano, de acordo com informações que...

O vício dos grupos económicos

O PRR continua a encher páginas de jornais. Mais do que isso, a agenda do Governo – quando não está distraído com os casos – confunde-se com os anúncios de milhões que supostamente irão transformar a vida do País. Há nesta febre em torno dos fundos comunitários, os do PRR ou os dos Quadros Financeiros Plurianuais (PT...