Quasi tutti frutti
O RAP fez o gag e a malta riu-se. Há de facto um lado anedótico (não há sempre?) nas tentativas dos deputados do Chega de normalizarem o seu acesso aos telemóveis dos outros «políticos». E de uma forma ou de outra, eles lá foram solicitando o acesso a vários deles ao longo da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI).
A coisa já tinha começado com muita malta a lambuzar-se com as trocas de mensagens em WhatsApp entre membros do Governo e administradores da TAP. E a semana passada tivemos o País inteiro a ouvir as trocas de mensagens de deputados do PSD no caso «tutti-frutti».
O conteúdo das mensagens é grave? Claro que sim, apesar de não se poder falar em grandes novidades, pois acordos entre o PS e o PSD para candidaturas articuladas (uma forte e uma fraca) às autarquias são uma evidência desde que ambos aprenderam, com a derrota das coligações de 1985 contra o PCP, que fazê-lo às claras era muito arriscado. Mas o facto do conteúdo ser grave não justifica que mensagens privadas, obtidas legalmente no seio de uma investigação judicial, estejam a ser ilegalmente publicadas e discutidas por todo o lado.
Há uma normalização de comportamentos pidescos. E essa normalização não traz nenhuma transparência à vida política nacional, só traz mais fumaça. Um exemplo é, exactamente, os trabalhos da dita CPI. Ela destapou coisas de uma gravidade brutal, coisas que o PCP sempre denunciou, como a dimensão das perdas com a compra da ex-VEM ou as negociatas dos privados com os aviões. E não precisou de escutas ou leituras de mensagens privadas para o fazer. Bastou que um conjunto de documentos fossem tornados menos confidenciais.
Mas o poder económico, que é quem direcciona os holofotes da comunicação social, prefere centrar-se naquilo que o deixa incólume. E ao mesmo tempo que ergue barreiras a que sejam conhecidos os termos em que verdadeiramente actua – tudo aí é naturalmente confidencial, secreto, protegido – arroga-se no direito de expor publicamente – e sem limites – tudo o resto. Porque mesmo «os seus» políticos, essa salada nojenta que envolve quase toda a fruta, devem estar suficientemente fragilizados para temerem o poder do poder económico.