A ordem

Gustavo Carneiro

Já quase ninguém o nega: o mundo está a mudar e está a mudar depressa.

No discurso político e mediático dominante no chamado Ocidente alargado lamenta-se o anunciado fim da ordem mundial surgida do pós-Guerra Fria (que alguém garantiu um dia ser o Fim da História) e prevê-se o advento de um mundo menos livre, democrático e pacífico. Porém, fora da bolha do pensamento único em que as grandes cadeias «informativas» nos pretendem confinar, a questão apresenta-se de modo bem menos simplista – e a abertura da 78.ª sessão da Assembleia-Geral das Nações Unidas revelou-o (isto, claro, se não nos limitarmos a ouvir os bidens, os zelenskys ou os borrels…).

Do Brasil veio a denúncia de um mundo tremendamente injusto: «Os 10 maiores bilionários possuem mais riqueza que os 40% mais pobres da humanidade.» Para Cuba, «ofende a condição humana que quase 800 milhões de pessoas passem fome num planeta que produz o suficiente para alimentar todos» e que na dita era do conhecimento mais de 760 milhões de seres humanos, dois terços dos quais mulheres, não saibam ler nem escrever. Moçambique relacionou o insucesso no cumprimento dos objectivos de desenvolvimento com a «ausência de confiança e solidariedade entre quem tem muito e quem tem pouco ou quase nada».

As Honduras exigiram o fim da «prática de sanções, pirataria e confisco de bens de uma nação», como hoje sucede contra a Venezuela, para quem estas medidas coercivas ilegais constituem «um ataque deliberado contra o direito ao desenvolvimento». O Zimbabué, vítima destas medidas há já mais de duas décadas, relaciona-as com a tentativa de algumas potências de «subjugar a vontade soberana» dos povos.

A Namíbia insurgiu-se contra o «apartheid vacinal» e a Colômbia acusou os que «fazem negócio com os medicamentos e convertem as vacinas em mercadorias». Angola garantiu que por detrás de muitos dos conflitos armados que se travam em África há uma «mão invisível interessada em desestabilizar o continente», enquanto a África do Sul rejeita que sejam os povos africanos a suportar os custos do desenvolvimento das potências ocidentais: «este é um preço que os povos de África já não estão dispostos a pagar.»

«Porquê permanecer em silêncio acerca de todas as flagrantes violações do direito internacional cometidas por Israel», questionou a Palestina, enquanto a Bolívia propôs ousadia para «transformar os gastos da guerra e da morte em investimentos para a vida» e o Ruanda reclamou que seja dado «igual peso às necessidades e prioridades de todos».

São cada vez mais os que contestam os pilares em que assenta a ordem mundial imperialista: a injustiça, a dominação, a chantagem, a guerra. Algo de novo está a nascer. E essa é uma boa notícia.

 



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