Podia ser pior

Manuel Gouveia

E não é porque po­díamos ter tido menos um de­pu­tado. Que po­díamos. Em bom rigor, po­díamos ter tido menos quatro de­pu­tados. E não é porque po­díamos ter tido menos votos. Que po­díamos. Po­díamos ter tido menos 200 mil votos. Nem é porque po­díamos ter tido menos per­cen­tagem. Que também po­díamos. Menos 3,3%. Por essa mera di­mensão quan­ti­ta­tiva não se jus­ti­fi­caria es­crever este texto: de uma forma ou de outra, todos sa­bemos que nessa di­mensão, seja qual for o re­sul­tado, a coisa pode sempre ser pior.

Mas há de­pois a di­mensão qua­li­ta­tiva. Ima­ginem que para de­fender uns vo­titos, face ao mas­sacre me­diá­tico, tí­nhamos adop­tado uma po­sição menos de­sa­li­nhada, mais cau­te­losa, sobre a guerra. Era pior, muito pior. Ou ima­ginem que tí­nhamos co­lo­cado o nosso Se­cre­tário-Geral a con­denar a re­sis­tência pa­les­ti­niana. Teria sido tão mau que hoje nem po­díamos sair de casa com ver­gonha. Ou que para evitar in­com­pre­en­sões nos ti­vés­semos jun­tado à festa do ataque aos im­postos, que pre­para o ca­minho para uma pró­xima re­dução de im­postos dos ricos a troco de uma re­dução de di­reitos das ou­tras ca­madas da po­pu­lação. Teria sido mesmo muito mau. Pior, só mesmo se fin­gís­semos que os sa­lá­rios não são a questão cen­tral neste país, e que para au­mentar sa­lá­rios é pre­ciso au­mentar sa­lá­rios, e não «ofe­recer» pseudo-re­du­ções fis­cais ou pré­mios.

Tal como na pa­rá­bola do diabo, re­cu­pe­rada de­pois por Vi­ni­cius de Mo­rais, ou na pa­rá­bola do pân­tano usada por Lé­nine no Que fazer?, o Par­tido dos tra­ba­lha­dores está sempre à beira de um abismo, que lhe pro­mete um ca­minho mais fácil a troco de ce­dên­cias. Um ca­minho muito mais fácil de per­correr, mas que não leva aonde nós que­remos ir. E nós não fomos por aí. E nisso, ven­cemos.

É par­tindo da va­lo­ri­zação dessa vi­tória que os mi­li­tantes do Par­tido, e os amigos do Par­tido, e os ali­ados do Par­tido, devem co­locar o me­lhor da sua in­te­li­gência, da sua sa­be­doria, da sua pers­pi­cácia, do seu génio, na re­flexão co­lec­tiva sobre aquilo que po­demos fazer me­lhor en­quanto con­ti­nu­amos a fazer aquilo que temos feito.

 



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