Os ideais e valores da Comuna são imortais

Manuel Rodrigues

«A Comuna de Paris foi uma experiência histórica de extraordinário valor pelo alcance dos seus objectivos e das suas realizações»

A Comuna de Paris – que decorreu entre 18 de Março e 28 de Maio de 1871 – foi uma experiência histórica na luta da classe operária pela sua emancipação social.

Proclamada a 28 de Março de 1871 na Praça do Município de Paris, 23 anos após a publicação do Manifesto do Partido Comunista de K. Marx e F. Engels e igualmente 23-22 anos após as revoluções de 1848-49 (que passaram à história como «a Primavera dos Povos»), concretizou, pela primeira vez na História a tomada do poder pelo proletariado e pôs pela primeira vez em evidência aquilo que Marx e Engels escreveram no Manifesto: o papel revolucionário da classe operária.

As primeiras medidas tomadas pela Comuna são em si mesmas marcas de classe do novo poder proletário:separação entre o Estado e a Igreja (Estado laico); plena igualdade civil entre homens e mulheres; criação de um sistema de autogestão nas fábricas, que passariam o comando para os operários; melhores condições habitacionais para a população; ampliação de direitos dos trabalhadores; diminuição da jornada de trabalho; ensino gratuito e laico; substituição do exército por uma guarda nacional; instituição de um salário mínimo; criação de uma previdência social; instituição de elegibilidade para os cargos políticos; proibição da acumulação de postos de trabalho; limitação da jornada de trabalho para oito horas diárias; adiamento dos prazos para o pagamento de dívidas; criação de medidas para controlar o aumento dos preços dos produtos; defesa de medidas sociais, como a distribuição de alimentos; abolição da pena de morte; fim do serviço militar obrigatório; possibilidade de revogação de mandados de representantes eleitos. 

Lições e ensinamentos
A Comuna de Paris foi uma experiência histórica que durou apenas 72 dias. Mas, como refere Marx (Minuta de um discurso sobre a Comuna de Paris numa reunião do Conselho Geral da AIT, 1871), «os princípios da Comuna eram eternos e não podiam ser esmagados; eles afirmar-se-iam uma e outra vez até que as classes operárias estivessem emancipadas».

A Comuna de Paris foi uma experiência histórica de extraordinário valor pelo alcance dos seus objectivos e das suas realizações. E, mesmo as suas insuficiências, derrotas e errospossibilitaram a Marx, Engels e, mais tarde a Lénine, lições e ensinamentos,nomeadamente sobre a questão do Estado como «questão central de cada revolução» (Álvaro Cunhal), que lhes permitiram aprofundar a análise tanto dos seus aspectos positivos como negativos e, assim, enriquecer e desenvolver a teoria revolucionária, que, como nenhuma outra concepção do mundo, teve sobre o desenvolvimento social profunda influência, fundamentando pela primeira vez uma visão científica e coerente do mundo – a concepção materialista dialéctica da natureza e da sociedade – e afirmando, também pela primeira vez, a unidade profunda e indissolúvel, da teoria e da prática da transformação revolucionaria do mundo.

Em Maio de 1871 a burguesia francesa apoiada pelo imperialismo alemão esmagava pelas armas a Comuna. O chefe da burguesia francesa e responsável directo pela repressão sangrenta, Thiers, afirmaria triunfante: «Agora e para sempre, o comunismo morreu!».

Enganar-se-ia Thiers, como se enganaram e enganam tantos outros arautos da «morte do comunismo». Corrigidos erros e superadas insuficiências, apenas 34 anos depois, a mesma criatividade das massas faria surgir, com a Revolução Russa de 1905, os Sovietes de deputados de operários e soldados que, em Fevereiro de 1917, em novo processo revolucionário na Rússia, acabariam com a Monarquia dos Romanov.

Sovietes que, em Outubro do mesmo ano, sob a direcção do Partido Comunista, encabeçado por Lénine, tomariam o poder, desencadeando a Revolução Socialista de Outubro que, durante 70 anos, resistiu e derrotou todas as agressões (nacionais e internacionais), de que foi alvo, fundou a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), e conseguiu extraordinárias conquistas, realizações e avanços para os trabalhadores e os povos de todo o mundo, que marcaram profundamente o século XX, projectando-se como experiências e valores no futuro da humanidade.

Sonho e luta que persistem
Também esta experiência histórica, viria a ser interrompida com o desaparecimento da URSS e as derrotas do socialismo no Leste da Europa nos finais do século XX, que representou um grande salto atrás nos direitos e conquistas dos trabalhadores e dos povos. Perante tais acontecimentos, o imperialismo proclamaria o «fim da história» (Francis Fukuyama), novíssima versão da velha e estafada tese da «morte do comunismo».

Mas, o que a história voltou a confirmar é que o capitalismo não só não responde a nenhum dos problemas da humanidade, como os agrava a todos, ao ponto de termos chegado a uma situação de abissais desigualdades sociais, de exploração desenfreada de milhões e milhões de seres humanos, de opressão e barbárie, de predação da natureza e destruição dos seus recursos e do meio ambiente, de agressões, conflitos e guerras, que ceifam milhões de vidas e põem mesmo em risco o futuro da humanidade.

Mas a luta dos trabalhadores e dos povos – tal como a luta dos communards – não morreu e aí está a desenvolver-se. E o movimento comunista e revolucionário internacional (que é necessário reforçar) a mostrar que um outro mundo é possível, que o socialismo continua a ser exigência da actualidade e do futuro.

De facto, o presente e o futuro da humanidade residem na realização do sonho milenar do homem – de que a Comuna de Paris é importante expressão – na sua libertação, na paz, no progresso social e na justiça.

E no momento em que comemoramos o 50.º aniversário da Revolução de Abril (que se insere neste mesmo processo histórico), reafirma-se que os ideais e valores da Comuna são imortais e, também em Portugal, continuarão presentes na acção revolucionária do Partido Comunista Português e na luta dos trabalhadores e do povo pelos direitos, pela ruptura com a política de direita, por uma alternativa patriótica e de esquerda, parte integrante de uma democracia avançada inspirada nos valores de Abril, da luta por uma sociedade nova, o socialismo e o comunismo.

 



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