Política do fraque

Jorge Cordeiro

Poucos serão os que já não tenham ouvido falar, ou por maior infelicidade, tropeçado com o que se designa por «homem do fraque». Personagem sobejamente conhecida, de há muito, por se dedicar mais ou menos coercivamente à cobrança de dívidas. O tema, a figura e a actividade ganharam agora maior actualidade com o despertar mediático que o anúncio do contrato da empresa de gestão dos bairros sociais da cidade de Lisboa estabeleceu com a sociedade de advogados de Aguiar Branco para a cobrança coerciva de rendas.

Não releva nem se questiona a dimensão procedimental associada, a natureza do contrato e dos poderes de quem o subscreve, a licitude da sua tramitação, as condições financeiras apresentadas como as mais vantajosas para o adjudicatário, os formalismos associados à relação de Aguiar Branco com o escritório de advogados adjudicante e a sua desvinculação prévia com esta entidade. Tudo pormenores quando olhada a questão pela sua dimensão política. É essa que releva e diz quase tudo sobre a natureza das opções de PSD no município e no governo em matéria de habitação. Sem surpresa, diga-se.

Quem erigiu a lei dos despejos a pedra basilar de política habitacional, terá na sanha persecutória a inquilinos decorrência lógica e natural, optará por precipitar despejos em vez de examinar e atender às condições sociais que podem estar na base de incumprimentos, substituirá uma mais exigente intervenção do plano da política social por um mais prático e rápido modo de atirar para a rua famílias incumpridoras. É o regresso dos homens do fraque agora mais bondosamente envelopados, legitimados pela regulação da actividade, amenizados nos seus fins pela licitude procedimental.

Sem os riscos de se repetirem situações que levaram em 2008 a um caso de ameaça e perseguição por um «homem do fraque» sobre alguém que se provou em tribunal nem sequer ter dívida alguma. Mas com uma outra expressão e significado, politicamente mais relevante sobre o que confirma de uma política de habitação determinada pelos interesses do imobiliário e pela secundarização do direito à habitação e das condições para a garantir.

 



Mais artigos de: Opinião

Abril é mesmo mais futuro

«Em 2024, passam cinquenta anos do 25 de Abril (…). Fecha-se um ciclo de meio século da nossa História, abre-se outro, com novos desafios, novas exigências, novas ambições, mas sempre com os mesmos valores: Democracia, Liberdade e Igualdade.» A frase consta da mensagem do Presidente da...

O dólar inquieto

Nas catacumbas da actual conflitualidade mundial, para onde quer que se olhe no globo, está omnipresente um dos elementos centrais da hegemonia, em queda, dos EUA: o futuro do sacrossanto papel do dólar nas finanças mundiais e na ordem económica imperante. O espectro da desdolarização causa arrepio em Washington e, por...

Este e outro Abril

No início de Abril de 1949, mais precisamente no dia 4, foi assinado em Washington o tratado fundador da Organização do Tratado do Atlântico Norte (NATO na sigla inglesa). Constavam nesse documento as assinaturas dos representantes de 12 Estados, entre as quais as de José Caeiro da Mata e Pedro Teotónio Pereira, em nome...

Abril, grandes lutas e tantos amigos

Este Actual é escrito a poucos dias do cinquentenário do 25 Abril, a data mais importante da história do povo e do País, de grande conteúdo humanista, libertador e revolucionário. Este é um simples apontamento, que são curtas as palavras para lhe fazer justiça. As sondagens dadas à estampa, aquém do que seria...

A maré

Yevgeniy Khaldei, nem toda a gente conhecerá o nome. Mas todos conhecemos a sua mais famosa fotografia, a do soldado soviético içando a bandeira com a foice e o martelo sobre o Reichstag. Segundo parece, a fotografia data de 2 de Maio de 1945, mas o acontecimento é de 30 de Abril. A bandeira fora efectivamente...