Política do fraque
Poucos serão os que já não tenham ouvido falar, ou por maior infelicidade, tropeçado com o que se designa por «homem do fraque». Personagem sobejamente conhecida, de há muito, por se dedicar mais ou menos coercivamente à cobrança de dívidas. O tema, a figura e a actividade ganharam agora maior actualidade com o despertar mediático que o anúncio do contrato da empresa de gestão dos bairros sociais da cidade de Lisboa estabeleceu com a sociedade de advogados de Aguiar Branco para a cobrança coerciva de rendas.
Não releva nem se questiona a dimensão procedimental associada, a natureza do contrato e dos poderes de quem o subscreve, a licitude da sua tramitação, as condições financeiras apresentadas como as mais vantajosas para o adjudicatário, os formalismos associados à relação de Aguiar Branco com o escritório de advogados adjudicante e a sua desvinculação prévia com esta entidade. Tudo pormenores quando olhada a questão pela sua dimensão política. É essa que releva e diz quase tudo sobre a natureza das opções de PSD no município e no governo em matéria de habitação. Sem surpresa, diga-se.
Quem erigiu a lei dos despejos a pedra basilar de política habitacional, terá na sanha persecutória a inquilinos decorrência lógica e natural, optará por precipitar despejos em vez de examinar e atender às condições sociais que podem estar na base de incumprimentos, substituirá uma mais exigente intervenção do plano da política social por um mais prático e rápido modo de atirar para a rua famílias incumpridoras. É o regresso dos homens do fraque agora mais bondosamente envelopados, legitimados pela regulação da actividade, amenizados nos seus fins pela licitude procedimental.
Sem os riscos de se repetirem situações que levaram em 2008 a um caso de ameaça e perseguição por um «homem do fraque» sobre alguém que se provou em tribunal nem sequer ter dívida alguma. Mas com uma outra expressão e significado, politicamente mais relevante sobre o que confirma de uma política de habitação determinada pelos interesses do imobiliário e pela secundarização do direito à habitação e das condições para a garantir.