A maré

Filipe Diniz

Yevgeniy Khaldei, nem toda a gente conhecerá o nome. Mas todos conhecemos a sua mais famosa fotografia, a do soldado soviético içando a bandeira com a foice e o martelo sobre o Reichstag. Segundo parece, a fotografia data de 2 de Maio de 1945, mas o acontecimento é de 30 de Abril. A bandeira fora efectivamente desfraldada nesse dia pelo soldado Rakhimzhan Qoshqarbaev, perto das 11 da noite. Khaldei não pudera fotografar nessas condições. Só o fará a 2 de Maio. O facto é histórico, a fotografia é encenada.

É das imagens que mais dói tanto aos fascistas como aos que os acolheram depois da sua derrota. Se referem a foto, é para dar relevo à encenação. Para rasurar o – para eles – insuportável facto. Que o içar da bandeira vermelha assinala a rendição nazi-fascista. Que o Exército Vermelho foi a força decisiva na derrota do nazi-fascismo.

Os «Aliados» celebram o desembarque na Normandia convidando a «inimiga» Alemanha e excluindo a Rússia. Essa mesma Alemanha comunica à embaixada da Rússia que é «indesejável» que representantes russos participem nas comemorações do 79.º aniversário da libertação dos campos de concentração alemães nazi-fascistas. Campos de concentração libertados pelo Exército Vermelho nos primeiros meses de 1945? Nada menos que Auschwitz, Mauthausen, Sachsenhausen, Stutthof, Ravensbrück. Ainda que a Rússia de hoje nada tenha a ver com a URSS, os filhos, netos, bisnetos dos libertadores são «indesejáveis» para filhos, netos e bisnetos dos torcionários.

A imagem de um «Ocidente» apodrecido, cujos «valores» se inserem na mais negra e reaccionária linhagem. Podem tentar reescrever a história. Não podem é detê-la.

É assim que celebramos Abril. Por mais difíceis as condições, por mais dolorosos os refluxos históricos, a maré da libertação popular e nacional vencerá. Se não for à primeira vaga, será à segunda ou à terceira. Mas vencerá.

 



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