Kamala é Trump do outro lado do espelho

António Santos

Entre Trump e Ka­mala é mais forte a classe que os une do que a re­tó­rica que os se­para. Quando querem trocar in­sultos, cada qual acusa o outro de ser co­mu­nista: a pior coisa que se pode chamar a quem, como ambos, desde sempre, serve o grande ca­pital na me­lhor das res­pec­tivas pos­si­bi­li­dades. Não é, por­tanto, sur­presa que o pro­grama eco­nó­mico de Ka­mala, uma versão mais ver­ba­lista ra­dical da «Bi­de­nomia», seja a imagem es­pe­lhada do pro­grama eco­nó­mico de Trump: ou seja, igual, mas apa­ren­te­mente ao con­trário.

Ve­jamos al­guns exem­plos: Trump propõe que a carga fiscal «sobre as em­presas» desça de 21 para 15 por cento; já Ka­mala quer que aquele nú­mero suba para os 28 por cento. Ne­nhum deles propõe es­ca­lões que tratem de forma di­fe­ren­ciada «as em­presas». Ambos con­cordam que Jeff Bezos, o dono da Amazon, deve pagar os mesmos im­postos que um ven­dedor de pret­zels nas ruas de Nova Iorque. E ambos sabem per­fei­ta­mente que qual­quer re­forma fiscal es­tará nas mãos de um Con­gresso di­vi­dido, pelo que os 15 por cento de Trump e os 28 por cento de Ka­mala terão de re­en­con­trar-se, nem que seja nos ac­tuais 21.

Também pode pa­recer que Trump e Ka­mala têm vi­sões to­tal­mente dis­tintas sobre as fun­ções so­ciais do Es­tado fe­deral: Trump pro­mete des­truí-las e Ka­mala pro­mete re­forçá-las. O pro­blema é que os De­mo­cratas não são ca­pazes de dizer onde irão buscar o di­nheiro para re­forçar as verbas na edu­cação, na saúde, na se­gu­rança so­cial, nos trans­portes, nas infra-es­tru­turas, etc. Ti­rando me­didas vagas e avulsas, como a su­posta ta­xação, a 25 por cento, sobre a va­lo­ri­zação de ca­pi­tais es­tá­ticos, ou o com­bate aos «preços ex­tor­si­o­ná­rios» da ali­men­tação, o que Ka­mala pro­mete é pre­ci­sa­mente não au­mentar os im­postos em ren­di­mentos de até 400 000 dó­lares anuais. 400 000 dó­lares co­locam qual­quer es­tado-uni­dense entre os 3 por cento mais ricos. So­bram os 2 por cento mais ricos, os bi­li­o­ná­rios, mas, nos úl­timos quatro anos, em que Ka­mala foi vice-pre­si­dente, o nú­mero de bi­li­o­ná­rios nos EUA au­mentou de 614 para 737 e a sua for­tuna du­plicou — ten­dência idên­tica ao pe­ríodo da ad­mi­nis­tração Trump.

Mas nem Trump nem Ka­mala querem au­mentar sa­lá­rios, nem com­bater os mo­no­pó­lios no sector da ali­men­tação, em que quatro em­presas já con­trolam 40 por cento da pro­dução e 80 por cento da dis­tri­buição.

Se Trump pro­mete be­ne­fí­cios fis­cais para os donos das imo­bi­liá­rias, Ka­mala pro­mete ajudar, com o di­nheiro de todos os con­tri­buintes, quem compre a pri­meira casa com uma en­trada de 25 mil dó­lares, que será pron­ta­mente ab­sor­vida, em au­mentos dos preços, pelos mesmos donos das imo­bi­liá­rias que Trump quer ajudar. Ne­nhum fala em com­bate à es­pe­cu­lação, nem em di­reito à ha­bi­tação, nem em con­trolo de preços, nem em ha­bi­tação pú­blica, nem em nada que pu­desse as­se­me­lhar-se re­mo­ta­mente a qual­quer coisa co­mu­nista.

 



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