A alavanca

Gustavo Carneiro

Apesar de tudo o que dela se diz (dela e, em geral, de todas as empresas públicas), a TAP deu lucro. Em 2024 como, aliás, nos dois anos anteriores. Repita-se, não vá alguém achar que leu mal, dada a desconformidade da notícia com muitas das certezas absolutas que por aí andam: a TAP, empresa de capitais 100% públicos, deu lucro! No caso, de 54 milhões de euros.

Sempre tão lesta a amplificar concepções sobre a superioridade do privado e a incompetência congénita do Estado para a gestão, a generalidade da comunicação social acabou por dar menos destaque aos lucros do que ao facto de estes terem sido inferiores aos anteriormente registados: «quebra» foi, aliás, uma das palavras-chave nas notícias sobre os resultados da transportadora aérea, as mesmas que deram voz à administração da empresa para que «justificasse» tal redução – e não os lucros, que há anos se jurava serem impossíveis. De uma penada, a ideia da “inevitabilidade” dos prejuízos foi substituída pela dos “lucros insuficientes”, procurando ambas alimentar a tese do “peso excessivo” da empresa para o País e da necessária privatização. Que a TAP continue a suscitar tanta cobiça dirá muito sobre o seu real valor…

Aproveitemos então três anos consecutivos de lucros para vermos para lá deles, escapando-nos assim a acusações de que poderíamos estar a defender empresas deficitárias por mero “preconceito ideológico”. Recuemos a 2021, quando a TAP renacionalizada (a privatização, recorde-se, foi um desastre e lá teve de ir o Estado salvar mais uma empresa) e registou prejuízos históricos de 100 milhões de euros. Cruel, este Deus Mercado

Ora, nesse ano – e os dados são retirados de um artigo do administrador e militante do PSD Miguel Frasquilho (citados na obra Dossier TAP. Resistindo às privatizações, das Edições Avante!) – a TAP deu ao País uma contribuição económica de 2,5 mil milhões de euros e financeira de mil milhões. Como? Com os quase 10 mil postos de trabalho directos que assegura, a que se somam mais do dobro indirectos; com os mil milhões de euros de salários pagos, que asseguraram em 10 anos (como apurou a Comissão Parlamentar de Inquérito) 1,4 mil milhões de receitas directas para a Segurança Social e 1,2 mil milhões de IRS. E mais: ao gerar mais de três mil milhões de vendas anuais ao estrangeiro, representar sozinha 2% do PIB, comprar em Portugal mais de mil milhões de euros em produtos aos cerca de 1300 fornecedores que tem no País, transportar milhões de turistas e assegurar a ligação às Regiões Autónomas da Madeira e dos Açores e às comunidades portuguesas espalhadas pelo mundo.

Por mais que o tente esconder quem a quer usar para encher alguns bolsos, a TAP não é um “peso” nem é sequer apenas mais uma empresa. É uma alavanca para o desenvolvimento do País. Isto, claro, se permanecer pública.

 



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