Cheira a troika (e a pólvora)

Gustavo Carneiro

Olhamos para França e vislumbramos o futuro – não um qualquer futuro inevitável (tal coisa não existe), mas aquele que também por cá nos querem impor.

Falamos da proposta de Orçamento do Estado para 2026 apresentada pelo governo francês: aí estão avultados cortes nas pensões e nos apoios sociais, o enfraquecimento dos serviços públicos (só na Saúde as reduções orçamentais poderão ascender a cinco mil milhões de euros), a diminuição de 3000 empregos na Administração Pública, a eliminação de dois feriados. Segundo os comunistas franceses, está-se perante um «orçamento de austeridade» e um «programa de combate ao mundo do trabalho».

Por outro lado (há sempre outro lado nestas coisas), não está prevista qualquer mexida nos avultados benefícios fiscais concedidos aos grupos económicos e às multinacionais, com o primeiro-ministro Bayrou a fazer saber que «não acompanha» esta ideia. A proposta aponta ainda para o aumento substancial dos gastos militares em qualquer coisa como 6,4 mil milhões de euros acima do que estava previsto para os próximos dois anos (3,5 mil milhões já no próximo e outros 3 mil milhões em 2027). A intenção, revelara dias antes o próprio Emmanuel Macron, é antecipar em três anos a duplicação das despesas militares do país (que já é o nono onde elas são maiores em termos absolutos) face ao ano em que assumiu a presidência – ou seja, dos 32 mil milhões de 2017 para 64 mil milhões em 2027 (e já não em 2030).

É este o aspecto da “economia de guerra” prometida pela União Europeia e de França vem apenas o primeiro retrato... Por cá, os argumentos estão alinhados: a mesma antecipação das metas (“imposições” talvez seja um termo mais apropriado) assumidas no quadro da NATO e os 2% do PIB para a guerra já em 2025, a mesma ladainha dos “compromissos internacionais” do País, a mesma visão da “competitividade da economia” assente nas benesses ao grande capital e na compressão de salários e de direitos.

Só os pretextos mudam: hoje é a “Defesa europeia” e a “instabilidade internacional” como antes foram o défice, a dívida, o rating ou o vírus. A receita, essa, é a de sempre – e já aí está: a privatização de empresas estratégicas (com a TAP à cabeça), as alterações efectuadas nas leis da Nacionalidade e dos Estrangeiros e as anunciadas intenções de entregar recursos do sistema público de Segurança Social aos fundos de pensões privados, de fragilizar ainda mais a legislação laboral, de limitar o direito à greve.

Não sabemos ao certo o que aí vem, mas não será bonito: a história e a realidade actual mostram que a escalada militarista se faz acompanhar pelo ataque a liberdades e direitos e pela promoção de concepções e forças retrógradas e fascizantes. Mas revela também as potencialidades existentes: de resistência, organização e luta.

 



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