Acabar com a mama

Margarida Botelho

Uma das alterações à legislação laboral que tem tido mais visibilidade é o corte no direito à amamentação. Não que seja o mais profundo: o ataque ao direito à greve, à contratação colectiva, a desregulação dos horários, são mais estruturantes no plano de retrocesso que o Governo tem em curso. Há até uma certa perplexidade com o destaque que a ministra do Trabalho decidiu dar-lhe: se tivermos em conta que nascem cerca de 85 mil crianças em Portugal por ano, e que pouco mais de 20% das mães continua a amamentar depois dos 6 meses do bebé, convenhamos que deve haver batalhas maiores a travar lá para os lados de S. Bento. Não se pode excluir que o Governo tenha escolhido este tema como cortina de fumo para tapar males maiores, ou para o deixar cair mais à frente e dar um ar dialogante.

Seja ou não esse o caso, é justa a indignação com a proposta e com as desbragadas declarações da ministra, que fala das trabalhadoras que são mães e amamentam como umas abusadoras, que obrigam os filhos a mamar “até à primária” ou os alimentam mal para terem redução de horário. A realidade é o oposto: os números da amamentação, prática que toda a evidência científica mostra ser a mais saudável para mães e bebés, caem vertiginosamente aos quatro meses, quando a maioria das mulheres volta ao trabalho, e são enormes as dificuldades que as mães enfrentam para exercer os seus direitos nos empregos. Vindo de um governo que se diz amigo das famílias, de uma força política que acusa o Estado de limitar as liberdades individuais, que diz que quer combater a burocracia, imiscuir-se na decisão de um bebé e de uma mãe sobre até quando se mama, ao ponto de exigir um atestado e proibir que se prolongue depois dos 24 meses, não lembraria a ninguém. É uma intenção que revela ao ponto a que Governo e patrões estão dispostos a ir na desumanização dos trabalhadores. Mas também mostra como encaram a maternidade como um capricho e as crianças como um empecilho.

Serão sem dúvida derrotados. Até porque talvez não fosse bem nisto em que estava a pensar uma parte dos que votaram nos partidos da direita quando falavam em “acabar com a mama”.

 



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