Bem dizia Lénine

Anabela Fino

A crise, ai a crise! Que seria de nós sem ela? Lá te­ríamos de passar os se­rões a falar do calor, do só­cras, do fre­e­port, do pro­cu­rador geral, do con­trato do figo, do bebé do ro­naldo, das ho­mi­lias do bispo, das festas do pontal e do pontão... enfim, das sen­sa­bo­rias do cos­tume, com a agra­vante de que neste mês es­tival nem se­quer temos o pau­linho das feiras ou o chico do bééééé (sem ofensa, estou só a lem­brar-me da ovelha negra no seio do re­banho, onde é que isso já vai...) a botar dis­curso para animar as hostes. É por isso que pela parte que me toca ando ren­dida às no­tí­cias da eco­nomia, pas­sando a pente fino os jor­nais da es­pe­ci­a­li­dade, apos­tada em per­ceber os me­an­dros da crise e os seus si­nu­osos per­cursos, es­tica aqui, en­colhe acolá. De tanto es­forço já estou de ca­beça à roda, con­fesso, mas com calma isto vai amigos, isto vai.

É que a coisa é di­fícil, ou me­lhor di­zendo, a pro­funda ig­no­rância do comum dos mor­tais, em que me in­cluo, não fa­ci­lita o que cer­ta­mente para os pe­ritos é per­fei­ta­mente óbvio. Por exemplo, a si­tu­ação da banca. Dizem as no­tí­cias que os três mai­ores bancos pri­vados por­tu­gueses ar­re­ca­daram, no pri­meiro se­mestre do ano (de crise), nada mais nada menos do que três mi­lhões de euros por dia. No total, BCP, BES e BPI ar­re­ca­daram 544,9 mi­lhões de euros, mais 62,2 mi­lhões do que no mesmo pe­ríodo de 2009.

O facto não evitou, por causa da crise – cá está ela outra vez! – que no mesmo pe­ríodo a banca fosse «for­çada» a agravar as con­di­ções de acesso ao cré­dito às em­presas e fa­mí­lias.

O lucro de três mi­lhões de euros/​dia também não im­pediu que os im­postos pagos cor­res­pon­dessem apenas a um terço do valor pago no pri­meiro se­mestre de 2009: 33,8 mi­lhões de euros contra 108,6 mi­lhões há um ano. Ou seja, pouco mais de 6% dos lu­cros re­gis­tados.

Es­cusam as mentes per­versas de tentar ver aqui qual­quer ma­ni­gância. É tudo per­fei­ta­mente legal.

O mesmo se passa, já agora, com a PT, que de acordo com a im­prensa da es­pe­ci­a­li­dade «sur­pre­endeu pela po­si­tiva» com um lucro de 164 mi­lhões de euros no se­gundo tri­mestre, ou seja mais de 80% face a igual pe­ríodo de 2009. Dito de outra forma, cerca de um mi­lhão e meio por dia, e sem que entre nestas contas o re­sul­tado da venda da Vivo. E por falar nisso, eis mais um caso: a mais-valia de 7,9 mil mi­lhões de dó­lares (6 mil mi­lhões de euros) con­se­guida neste ne­gócio – em 1998 a Por­tugal Te­lecom pagou 1,75 mil mi­lhões de dó­lares por uma par­ti­ci­pação de 50% na Vivo e agora vai vender essa par­ti­ci­pação por 9,7 mil mi­lhões de dó­lares (7,5 mil mi­lhões de euros) –, esse lucro, dizia está to­tal­mente isento de im­postos. Tudo também per­fei­ta­mente legal e de acordo com as re­gras na­ci­o­nais e eu­ro­peias.

Pode pensar-se que quem faz as re­gras fá-las por gosto ao ne­gócio vivo, o dos cho­rudos lu­cros, mas isso é outra con­versa que não vem ao caso. Como dizem aqueles se­nhores bem fa­lantes da tv, fa­lando às massas, todos (os que pa­gamos a fac­tura) temos de fazer sa­cri­fí­cios. Por causa da crise, pois então. Ou será da eco­nomia? É no que dá a ig­no­rância. Bem que o Lé­nine dizia que é pre­ciso aprender, aprender, aprender sempre!



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