Onde está o dinheiro?

Bernardino Soares (Membro da Comissão Política do PCP)

De cada vez que num de­bate se cri­tica os ab­surdos cortes nos or­ça­mentos de di­versos mi­nis­té­rios e sec­tores, os exe­cu­tores e apoi­antes de ser­viço ao pacto de agressão atiram ine­vi­ta­vel­mente a ideia de que tem de ser assim. Pe­rante a ideia de que é pre­ciso fi­nan­ciar o SNS, in­vestir na edu­cação, me­lhorar as pen­sões, apoiar a cul­tura ou au­mentar o in­ves­ti­mento pú­blico, a res­posta é sempre a mesma: «não há di­nheiro!» Re­pete-se esta ideia, am­pli­fi­cada ao ex­tremo pela co­mu­ni­cação so­cial, para con­vencer o povo por­tu­guês de que não há al­ter­na­tiva a este ca­minho.

Há muito di­nheiro a ser en­tregue ao grande ca­pital

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E com frequência os por­tu­gueses per­guntam: para onde vai então tanto di­nheiro rou­bado aos sa­lá­rios, aos di­reitos, ao in­ves­ti­mento e de­sen­vol­vi­mento eco­nó­mico? De facto – sendo certo que o nosso País, fruto da po­lí­tica de di­reita de 35 anos, vive uma gra­vís­sima si­tu­ação so­cial, eco­nó­mica e também fi­nan­ceira – há di­nheiro que não chega onde devia e que en­grossa a ri­queza dos grupos eco­nó­micos e dos seus de­ten­tores.

Ve­jamos então por onde anda o di­nheiro. Al­guns exem­plos.

Aos 78 mil mi­lhões de euros in­cluídos no pacto de agressão – que no fun­da­mental irão para os mer­cados fi­nan­ceiros por di­versas vias, in­cluindo 12 mil mi­lhões dis­po­ní­veis para a re­ca­pi­ta­li­zação da banca – cor­res­pon­derão mais de 35 mil mi­lhões de euros de juros e co­mis­sões (cerca de um quinto do PIB).

A banca con­tinua a em­bolsar por vá­rias ou­tras vias. Não nos dei­xemos en­ganar pelos pre­juízos anun­ci­ados nos úl­timos dias, ma­nobra que o Par­tido já esta se­mana de­nun­ciou. Na re­a­li­dade, para além de ou­tras ma­ni­gân­cias, estes pre­juízos con­cen­trados num ano só ser­virão para não pagar cen­tenas de mi­lhões de euros de im­postos du­rante vá­rios anos. Foi também por isso que o Go­verno au­mentou no Or­ça­mento para 2012 o prazo para re­portar esses pre­juízos no plano fiscal de 4 para 5 anos. E temos também o es­can­da­loso ne­gócio dos fundos de pen­sões en­tre­gues ao Es­tado, em que, para além do seu in­su­fi­ci­ente pro­vi­si­o­na­mento, que sig­ni­fica um en­cargo adi­ci­onal para a Se­gu­rança So­cial, se prevê que cerca de 50% do seu valor fique de ime­diato na banca, para além de se atri­buir cré­ditos fis­cais para os pró­ximos 10 a 20 anos; tudo so­mado dará um be­ne­fício à Banca pri­vada entre 6 a 8 mil mi­lhões de euros.

Acres­cente-se o BPN, cujo bu­raco sem fundo con­tinua por apurar, mas que, com­pro­va­da­mente, be­ne­fi­ciou de ga­ran­tias do Es­tado que as­cendem já a 4 mil mi­lhões de euros, dos quais 150 mi­lhões já foram exe­cu­tados, pers­pec­ti­vando-se para breve uma in­jecção di­recta de ca­pital de 600 mi­lhões (lembre-se que foi ven­dido ao BIC por 40 mi­lhões de euros!). Para além disso o en­vol­vi­mento da CGD faz com que mais de um terço do seu en­di­vi­da­mento de­rive da in­ter­venção no BPN.

No caso do BPP, o Es­tado prestou ga­ran­tias no valor de cerca de 457 mi­lhões de euros (cujas con­tra­ga­ran­tias o Go­verno jurou serem só­lidas), que foram exe­cu­tadas quase na to­ta­li­dade (cerca de 451 mi­lhões).

 

Di­nheiro há, e muito

 

No plano dos be­ne­fí­cios fis­cais, lembre-se que a des­pesa fiscal com o off-shore da Ma­deira é em 2012 de 1200 mi­lhões de euros; que o já re­fe­rido alar­ga­mento do re­porte de pre­juízos sig­ni­fica uma perda de largas cen­tenas de mi­lhões de euros por cada ano; que a re­jeição da taxa de 0,2% sobre tran­sac­ções fi­nan­ceiras, pro­posta pelo PCP, deita fora 200 mi­lhões de euros por ano; que idên­tica re­jeição da taxa de 25% pro­posta sobre trans­fe­rên­cias para pa­raísos fis­cais des­preza uma re­ceita de 4 mil mi­lhões de euros anuais; que muitas cen­tenas de mi­lhões de euros se­riam co­brados se as mais-va­lias bol­sistas das SGPS pa­gassem im­posto (ac­tu­al­mente só pagam os su­jeitos in­di­vi­duais no IRS e só isso per­mite uma re­ceita de 200 mi­lhões de euros); que o agra­va­mento do im­posto sobre bens e imó­veis de luxo per­mi­tiria cer­ta­mente uma re­ceita im­por­tante para o Es­tado; que a re­jeição de uma pro­posta do PCP para tri­butar de­vi­da­mente as SGPS que des­lo­ca­lizam a sua sede fiscal per­mite a im­pu­ni­dade de ope­ra­ções como a do Grupo Je­ró­nimo Mar­tins/​Pingo Doce e de ou­tras em­presas do PSI-20.

Na área da saúde, en­quanto se nega o fi­nan­ci­a­mento aos hos­pi­tais e aos cen­tros de saúde do SNS e se au­menta as taxas mo­de­ra­doras, em 2012 en­trega-se 320 mi­lhões de euros aos grupos eco­nó­micos através das par­ce­rias pú­blico-pri­vado. Para além disso, con­tinua o re­ga­bofe do fi­nan­ci­a­mento dos grandes hos­pi­tais pri­vados com fundos pú­blicos (de­sig­na­da­mente através da ADSE), que os vá­rios go­vernos se re­cusam a quan­ti­ficar, mas que re­cen­te­mente o Mi­nistro da Saúde ad­mitiu ser uma verba anual da ordem da des­pesa da ARS Centro, isto é, cerca de 600 mi­lhões de euros.

Na área dos trans­portes, para além do pre­juízo sis­te­má­tico das em­presas pú­blicas na dis­tri­buição da re­ceita do passe so­cial (em 2011 só na área de Lisboa, pelo menos 4 mi­lhões de euros a mais) avultam os cho­rudos 45 mi­lhões de euros en­tre­gues entre 2005 e 2010 à Fer­tagus, no âm­bito de um con­trato em que o Es­tado faz o in­ves­ti­mento e ga­rante os lu­cros, mesmo que não cir­culem pas­sa­geiros.

São al­guns exem­plos de que há muito di­nheiro a ser en­tregue ao grande ca­pital, que des­mentem com cla­reza a fal­si­dade de que não há di­nheiro para os tra­ba­lha­dores, os re­for­mados e os ser­viços pú­blicos.



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