A soberania nacional, a sua defesa<br>e a libertação do País<br>da submissão ao euro

Vasco Cardoso (Membro da Comissão Política
do Comité Central)

Estão quase a com­pletar-se 15 anos desde a in­tro­dução das notas e mo­edas de euro no nosso País. O PCP foi a única voz que alertou e com­bateu os pre­vi­sí­veis im­pactos da adesão à moeda única. O PCP não foi nos cantos de se­reia que anun­ci­avam o fim das crises, a blin­dagem à es­pe­cu­lação com a dí­vida pú­blica, a con­ver­gência com os ní­veis sa­la­riais das grandes po­tên­cias, o cres­ci­mento e de­sen­vol­vi­mento do País.

Nada do que an­daram a dizer, nada do que an­daram a vender ao povo por­tu­guês foi cum­prido. E a vida veio dar razão ao PCP.

A evi­dência de um país que, desde a adesão ao euro, pra­ti­ca­mente não cresceu e mul­ti­plicou o de­sem­prego, na ver­dade dos que menos cresceu no mundo, mas que si­mul­ta­ne­a­mente ad­quiriu das mai­ores dí­vidas pú­blica e ex­terna do mundo, falam por si sobre as con­sequên­cias da adesão à moeda única.

In­de­pen­den­te­mente da sua con­fi­gu­ração, in­de­pen­den­te­mente das po­lí­ticas que lhe estão as­so­ci­adas, in­de­pen­den­te­mente das con­tra­di­ções e ten­sões la­tentes no seio da UE, o euro foi e é um ins­tru­mento das classes do­mi­nantes e das grandes po­tên­cias para servir os seus in­te­resses e os seus lu­cros. A sua in­tro­dução em Por­tugal, pro­mo­vida pelo PS, PSD e CDS-PP, cons­ti­tuiu um vi­o­lento salto qua­li­ta­tivo que agravou a opção ne­o­li­beral e fe­de­ra­lista do edi­fício co­mu­ni­tário, e cons­titui-se numa pressão per­ma­nente para a de­bi­li­tação da nossa in­dús­tria, da nossa ca­pa­ci­dade de pro­duzir ri­queza, da nossa li­ber­dade de dis­tri­buir ri­queza, do nosso de­sen­vol­vi­mento, da nossa so­be­rania.

Por­tugal pre­cisa de se li­bertar do euro e dos cons­tran­gi­mentos da in­te­gração mo­ne­tária que a ele estão as­so­ci­ados. Pre­cisa de uma moeda ade­quada à re­a­li­dade e às po­ten­ci­a­li­dades eco­nó­micas do País, aos seus sa­lá­rios, pro­du­ti­vi­dade e perfil pro­du­tivo. Pre­cisa de uma gestão mo­ne­tária, fi­nan­ceira, cam­bial e or­ça­mental au­tó­noma e so­be­rana, ajus­tada à si­tu­ação na­ci­onal e que apro­veite todas as mar­gens de ma­nobra para fo­mentar a pro­dução, o em­prego e o cres­ci­mento. Pre­cisa de contar com um ver­da­deiro banco cen­tral na­ci­onal que su­porte o seu pro­jecto de de­sen­vol­vi­mento, para não estar como está, con­fron­tado ou com a chan­tagem dos es­pe­cu­la­dores no mer­cado da dí­vida, ou com a chan­tagem do BCE, da União Eu­ro­peia e do FMI sempre que pre­cisa de fi­nan­ciar o Es­tado ou a Banca.

Por­tugal pre­cisa de aban­donar o Pacto de Es­ta­bi­li­dade e Cres­ci­mento e todos os seus de­ri­vados. Pre­cisa de se pro­teger das perdas de com­pe­ti­ti­vi­dade pelas va­lo­ri­za­ções ex­ces­sivas da moeda única. Pre­cisa de re­sistir me­lhor à es­pe­cu­lação fi­nan­ceira e conter o en­di­vi­da­mento ex­terno. Por­tugal pre­cisa, em suma, de se li­bertar do euro. E a li­ber­tação do euro teria e terá todas essas van­ta­gens.

Na­tu­reza de classe e ob­jec­tivos

Al­guns pre­tendem, numa de­fesa im­plí­cita da in­te­gração mo­ne­tária, que «o pro­blema não é do euro, mas da po­lí­tica do euro». É não per­ceber a na­tu­reza de classe e os ob­jec­tivos do pro­cesso de in­te­gração ca­pi­ta­lista da União Eu­ro­peia. É não per­ceber que o euro, moeda única, seria sempre si­mul­ta­ne­a­mente a moeda da pe­ri­feria e do centro, dos países atra­sados e das grandes po­tên­cias, de Por­tugal e da Ale­manha. Na ver­dade, não se pode servir a dois amos ao mesmo tempo: ou o euro se ajusta à con­dição, às ne­ces­si­dades e aos in­te­resses da Ale­manha, ou o euro se ajusta à con­dição, às ne­ces­si­dades e aos in­te­resses de Por­tugal.

Ora Por­tugal pre­cisa de uma moeda di­fe­rente da da Ale­manha. E os tra­ba­lha­dores por­tu­gueses e os povos da Eu­ropa pre­cisam de po­lí­ticas mo­ne­tá­rias di­fe­rentes da dos mo­no­pó­lios e do grande ca­pital fi­nan­ceiro.

O euro é um gar­rote e um ins­tru­mento de chan­tagem po­lí­tica sobre os povos e os es­tados. Sem so­be­rania mo­ne­tária, Por­tugal está su­jeito, como aliás es­ti­veram ou­tros países, às de­ci­sões de ter­ceiros que, em úl­tima aná­lise, podem de­cidir do es­tran­gu­la­mento fi­nan­ceiro de um país ou do co­lapso do seu sis­tema fi­nan­ceiro.

De­fi­ni­ti­va­mente, o euro não serve o povo por­tu­guês. O euro não serve os povos na Eu­ropa.

So­be­rania mo­ne­tária é es­sen­cial

Sem ig­norar a im­por­tância do afas­ta­mento do go­verno PSD/​CDS-PP do poder; sem su­bes­timar, antes va­lo­ri­zando, todas e cada uma das con­quistas al­can­çadas pela luta dos tra­ba­lha­dores e do povo e pela acção do PCP, a ver­dade é que a si­tu­ação na­ci­onal é hoje cla­ra­mente con­di­ci­o­nada pela in­te­gração no euro e pela in­dis­po­ni­bi­li­dade do Go­verno PS em lhe fazer frente.

Daqui deste nosso Con­gresso, re­a­fir­mamos: sem a li­ber­tação do euro, sem a re­ne­go­ci­ação da dí­vida pú­blica, sem a re­cu­pe­ração do con­trolo pú­blico da banca – ob­jec­tivos que se ar­ti­culam e com­ple­mentam entre si – não há, nem ha­verá, ver­da­deiro de­sen­vol­vi­mento do País.

Sa­bemos que a li­ber­tação de Por­tugal do euro não re­solve, por si só, todos os pro­blemas na­ci­o­nais. Mas dentro do euro Por­tugal não tem fu­turo. E bem podem os co­men­ta­dores e ana­listas, fiéis à po­lí­tica de di­reita, anun­ciar tra­gé­dias e tem­pes­tades sempre que a questão do euro é le­van­tada. Bem podem o PSD e o CDS-PP exibir com or­gulho o di­ploma de bom aluno na União Eu­ro­peia, mesmo que à custa do afun­da­mento do País.

Bem pode o BE num dia anun­ciar a ca­tás­trofe de uma even­tual saída, e noutro in­dignar-se pe­rante as re­gras do Tra­tado Or­ça­mental. Bem pode o ac­tual Go­verno PS in­sistir nos cha­mados com­pro­missos eu­ro­peus e fazer juras de amor eterno à moeda única, pois a questão do euro, pela sua di­mensão es­tru­tural na vida po­lí­tica e eco­nó­mica do País, mais cedo do que tarde terá que ser en­fren­tada e é bom que Por­tugal pre­pare esse ca­minho, con­forme propõe o PCP.

Não ig­no­ramos, não ne­gli­gen­ci­amos, não me­no­ri­zamos os riscos, os pro­blemas e as di­fi­cul­dades deste ca­minho. Mas a li­ber­tação do euro que pro­pomos, um dos eixos cen­trais da po­lí­tica pa­trió­tica e de es­querda que pro­pomos ao País, é para o País crescer em vez de es­tagnar e de­fi­nhar, é para in­vestir em vez de re­gredir, é para criar em­prego em vez da emi­gração for­çada, é para dis­tri­buir a ri­queza de uma forma mais justa em vez das cres­centes de­si­gual­dades, é para apro­fundar a de­mo­cracia, em vez de a per­verter.

A so­be­rania mo­ne­tária é es­sen­cial à so­be­rania na­ci­onal. Para o PCP, ne­nhum pro­cesso de in­te­gração, por mais avan­çado que ele es­teja, pode im­pedir o povo por­tu­guês de de­cidir do seu fu­turo. Se o euro põe em causa o pre­sente e o fu­turo do País, então o povo por­tu­guês tem o di­reito de lutar para que esse obs­tá­culo seja re­mo­vido do seu ca­minho. É esse o di­reito que nos as­siste pela sim­ples mas in­con­tor­nável razão de sermos um povo e um País com quase nove sé­culos de His­tória e que quer cons­truir o fu­turo pelas suas pró­prias mãos.




Mais artigos de: Em Foco

Intervenções no XX Congresso

Pros­se­guimos neste nú­mero a pu­bli­cação de in­ter­ven­ções pro­fe­ridas no XX Con­gresso do PCP, re­a­li­zado em Al­mada de 2 a 4 de De­zembro.


Sobre a Actividade<br>da Comissão Central de Controlo

A Comissão Central de Controlo vem apresentar ao Congresso uma breve informação sobre os aspectos mais relevantes da sua actividade, considerando ser de grande importância que o Partido conheça o papel desempenhado por este órgão superior do...

A crise estrutural do capitalismo

Afinal a história não se finou em 1989! Aí está a crise profunda, global, densa, sistémica do capitalismo. A provar que a sua natureza, exploradora, opressora, agressiva, predadora não resultava da competição com a URSS e o mundo...

Saudação do Partido Comunista Sírio

Caros camaradas, delegados do XX Congresso do Partido Comunista Português, tenho a honra de transmitir-vos, e através de vós a todos os membros do glorioso Partido Comunista Português, calorosas saudações do Comité Central do Partido Comunista...

Saudação da Frelimo, de Moçambique

Gostaríamos em primeiro lugar de agradecer o convite que nos foi endereçado para, em representação do Partido Frelimo, participarmos no XX Congresso do PCP, cujo lema é «Com trabalhadores e o povo, democracia e o socialismo». Em nome do...

Saudação do Partido Comunista da Ucrânia

Em nome do Partido Comunista da Ucrânia, desejo manifestar o nosso sincero agradecimento à direcção do Partido Comunista Português e ao camarada Jerónimo de Sousa pelo convite e oportunidade de participar nos trabalhos do vosso fórum...

Unidade, combatividade, confiança

Do XX Congresso do PCP, realizado em Almada nos dias 2, 3 e 4 de Dezembro, ficarão sobretudo registadas para a História as decisões nele assumidas: as análises sobre a situação internacional e nacional e as perspectivas da sua evolução; o...