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Sonhos que a CDU concretiza
Pequenas coisas

Manuel Brandão (*)


Miúdo, de sacola ao ombro e olhos de gineto, o caminho da escola era expedição à cata de ninhos da passarada e morangos que se penduravam, silvestres e perfumados, dos combros dos lameiros. E ás vezes desatava em contemplações e filosofias dignas de qualquer grego. Ao fim e ao cabo, qual a diferença entre um pardal e um rouxinol?

A mesma farpela parda e em que a natureza não foi pródiga, a mesma inquietude saltarilha do corpo pequeno, as mesmas condições de gente miúda no reino dos cruzadores do céu. Só o canto, obra de qualquer mago, só o canto, coisa que não se vê nem se mede, lhe dava condição diversa e fazia de um objecto de frigideira e do outro obra de arte de contemplação extasiada. Afinal, coisa pequena, que fazia do rouxinol diferente e construía felicidade no emaranhado verde da ramagem.

Hoje, carregando ao lombo os anos passados e as experiências vividas, não menos vezes paro a cismar na condição de passante que a vida constitui e nas tarefas que, como membro de um colectivo, cumpre levar à prática e, através delas, fazer da gestão da CDU a concretização das diferenças de que justamente nos reivindicamos .

Por vezes, coisas pequenas, das que não vêm em parangonas nos jornais nem constituem efémera ostentação visual, mas que são notas coerentes e integradas da sinfonia de felicidade que queremos construir.

Hoje, continua a haver putos a correr para a escola e é mister que lá encontrem as condições necessárias a uma aprendizagem de qualidade e mesmo os complementos básicos que as carências das famílias nem sempre satisfazem. Uma escola cuidada, caiada todos os anos, cantinas para todos os que precisam, um recreio limpo e equipado para as brincadeiras e diabruras da meninice, são coisas que não tive nem sonhei e que agora a CDU concretiza e transforma em direito adquirido da pequenada desta terra. E, depois, a ligação estreita e institucionalizada com as escolas, a educação ambiental, o desporto escolar que o governo apregoa mas não faz, o apoio em equipamentos e material pedagógico que os professores merecem mas não têm. E dali, das escolas que sonhamos e fazemos, hão-de sair putos a caminho de homens novos, na sociedade nova que queremos e que decididamente merecemos.

E ei-los que vão a caminho de outros espaços e outras cadeiras, e ei-los que procuram na colectividade e na associação o complemento de cultura e desporto de que uma alma em crescimento necessita e justamente exige. E vão encontrar um relacionamento claro e transparente entre a Câmara e a estrutura que as acolhe e acompanha. A formação e a diversidade de práticas culturais e desportivas são a prioridade e os protocolos estabelecidos, com base em regras pré-definidas, garantem os custos totais de apoio técnico qualificado e, à partida e para todos, metade das despesas na melhoria ou construção de novas instalações. E a bola gira, e o palco impõe-se, e os olhos faíscam de uma intensidade que reconforta, mas que também responsabiliza e exige mais.

Mas o tempo sobra, o tempo existe para ser ocupado e as correrias são procura de espaço aberto e estruturas que acolhem e acarinham. E lá está o rio limpo e tratado, onde o barbo cata o cibo de cada dia negaceando com o isco que lhe é oferecido e o pica-peixe passa em voo supersónico de azul. E mais longe a praia fluvial equipada e segura onde cada cambalhota é um hino à vida e os centros de férias são espaço de prazer e aprendizagem. Depois os centros de actividades de tempos livres e o regresso a casa no sonho do dia seguinte e da travessura que não aconteceu hoje, mas que não perde pela demora.

E lá aparecem também as Juntas de Freguesia, sabidos parentes pobres ou quase deserdados do poderio central e centralizador, mas que fazem de míngua de recursos esforço criativo e que vêm minoradas as suas carências fruto do protocolo devidamente negociado e estabelecido com a Câmara no que diz respeito à transferência de recursos e obrigações. Sem decisões pontuais, nem paternalismos balofos, ou compadrio político, inevitavelmente e sempre segregadores. Ali, tudo no papel, num projecto de mandato, que propicia uma colaboração e uma complementaridade que potência ao máximo a proximidade às populações e a capacidade de resposta às pequenas coisas que importa resolver em cada uma das povoações. Para não falar da dignidade no exercício do poder que assim se defende e constrói.

A noite é pressa do dia seguinte, logo pela manhã há que correr para o autocarro das viagens de estudo anualmente programadas entre a câmara e as escolas, primeiro para conhecimento do concelho e dos seus valores, depois para voos mais largos ao conhecimento do país que não se sonhava tão diverso. Mas, agora, nesta noite de céu estrelado, é bom adormecer ao som desafiador do fandango que salta das paredes do ensaio e agita as ruas e os corações. Que importa crescer em modernidade, mas com os pés assentes nos valores que nos informam e nos trouxeram até aqui.

Preservando um património que, em bela traparia ou em pedra e barro argamassado, nos fez gente e nos há-de projectar para um futuro de identidade. Muito mais urgente agora, quando nos impingem e nos vendem coisas quase sempre más e estrangeiras. Com os ouvidos abertos e receptivos havemos, contudo, de preservar e defender o que somos.

Daí o revolver da terra à cata do passado, o vasculhar das arcas na procura do traje autêntico, a formação e o desafio constante para que não se esqueça e se revitalize o palpitar mais profundo deste torrão abendiçoado.

Só que às vezes, de tão naturais serem as coisas - a árvore está ali e, de tão natural, não a vemos - passamos por elas em correria que não permite extasiar. Reparem nas casas, brancas, as de hoje vestidas com outra roupagem, mas claramente filhas das de ontem. Fruto, é verdade, da alma desta gente, mas claramente, também, informadas por regras claras e de pedagogia constante, permitindo que se atravesse o concelho todo e se aperceba equilíbrio e preservação de uma paisagem humanizada. Que é factor de qualidade de vida hoje e que, sem dúvida, há-de ser, da extensão dos sobreirais ao quadriculado dos foros, factor de desenvolvimento garantido e, lá vai o palavrão, claramente sustentado.

Encontrar um ninho de melro era, o mor das vezes, acaso resultante da fuga espantadiça do tal de bico amarelo. Passar pela vida e exercer o poder na cata e na construção de uma sociedade nova e feliz é coisa de ideal e de participação empenhada, engajada, mas crítica e fiscalizadora, de um corpo vivo que a comunidade constitui e de um colectivo que a CDU se orgulha de ser.

Sem mais, que agora, se me permitem, vou dar um abanão às divagações e, joeiradas as coisas importantes, partir para outra viagem, de braço dado com camaradas e amigos, a caminho de outras tantas coisas que ficaram por dizer, esperando que as que aqui ficam sejam apenas tidas como exemplo de que o rouxinol se diferencia do pardal tão sómente e muito porque tem a mania e o proveito de ser músico.

(*) Presidente da Câmara de Coruche

«Avante!» Nº 1446 - 16.Agosto.2001