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A «Carta di Lavoro» (III)

RELIGIÕES  • Jorge Messias

Viajemos de volta a Portugal. O actual governo ainda não vive os dias doirados da estabilização. Está em época de exames. Para ganhar a total confiança do grande patronato, precisa de fazer rapidamente os seus «trabalhos de casa». Daí, a urgência saltitante que impele Bagão Félix a procurar impor, já , o seu «Código do Trabalho». Ora, se recuarmos uns meses atrás é possível recolher-se sobre todo este processo informação elucidativa. Nos princípios de 2002 houve grande movimentação no mundo empresarial português. Aproximavam-se as eleições legislativas e as associações patronais portuguesas - a CIP, a CCP, a CAP, a CTP, a AEP - mostravam-se pouco intervenientes no plano político. Então, um núcleo de empresários constituiu-se em grupo de pressão (o Grupo dos «22») e deu origem a uma nova estrutura dirigente: o CEM - Conselho Empresarial Português. A nova força agrupa as principais fortunas e as mais influentes empresas do mercado. Era (e continua a ser) seu líder o poderoso banqueiro José Manuel de Melo, incontestado «patrão dos patrões» portugueses. Perante este acto de subversão das regras do jogo, os tradicionais bastiões do patronato ainda esboçaram uma débil reacção. Mas logo se calaram.

Então, o CEM colocou às forças políticas concorrentes, da direita, uma exigência prévia inesperada, imediatamente acolitada pela Conferência Episcopal Portuguesa: exigia-se que patronato e igreja fossem previamente informados acerca dos nomes dos ministros que viriam a compor o governo resultante das eleições legislativas. Só assim os bispos e os patrões garantiriam apoios decisivos.

A mais imediata consequência desta imposição política foi a acelerada constituição da coligação eleitoral entre o PSD e o PP. Recuando no tempo, se voltássemos à definição dos principais pilares de apoio do fascismo italiano nos anos 20 (grande empresariado, igreja, sujeição dos partidos «históricos», controlo autoritário das coligações, desmobilização das instituições e cumplicidade objectiva dos principais órgãos do Estado) teríamos mencionado factores cuja presença no panorama político português se tem vindo a acentuar a partir dos recentes resultados eleitorais. A intervenção agressiva dos banqueiros e da igreja determinou uma inesperada mudança. Enquanto isto, a real situação política e social do país e do mundo muda aceleradamente e encerra graves riscos para as ambições do grande capital. Tudo depende do desenlace das grandes lutas de classe que se avizinham.

A secreta aliança

Em Portugal, tenha ou não havido, na paz dos deuses, um novo Acordo do Palácio Vandom , certo é que uma secreta aliança se espelha na composição e na forma de agir do actual governo. Em geral, os actuais ministros vêm dos grandes grupos económicos, das multinacionais, da Universidade Católica ou da rodagem feita em anteriores governos de direita. Um deles, porém, reúne neste elenco a experiência vivida em todas essas áreas estruturantes. Referimo-nos a António Bagão Félix, super-ministro do Trabalho e da Segurança Social. Dos grupos económicos capitalistas herdou os conhecimentos e as experiências recolhidas nas andanças dos mais altos níveis da gestão empresarial e dos corredores da globalização (BCP, Médis, COSEC, Banco de Portugal, Mundial Confiança, Bonança, etc). Nas altas esferas do capital internacional coleccionou, como banqueiro e como político, os mais destacados contactos que lhe permitem girar familiarmente entre os tecnocratas do FMI, do Banco Mundial, da Wall Street ou do grupo de Bilderberg. Para ele, estar em Nova Iorque ou em Genebra é o mesmo que estar em casa. Foi secretário de Estado e Ministro nos governos de Cavaco Silva, deputado pelo CDS, gestor de milhões de contos do Fundo Social Europeu, arquitecto das reformas da Segurança Social, da Administração Pública, do estatuto oficial das IPSS, dos pacotes laborais e coordenador de outras linhas de ataque invariavelmente desfavoráveis aos interesses dos trabalhadores. Da poderosa Comissão Justiça e Paz, a que presidia na igreja, Bagão Félix trouxe um salvo-conduto que lhe abre as portas do Vaticano, do Opus Dei e do Patriarcado. É um homem poderoso. O homem-chave do actual governo. Um político cujo futuro é rico em promessas. Porque não é este governo que irá derrotar os trabalhadores... Atrás dele algum outro virá.

«Avante!» Nº 1504 - 26.Setembro.2002