Três mil trabalhadores da TAP protestaram em silêncio

Silêncio e tanta gente

«O pro­testo si­len­cioso pre­tendeu de­mons­trar ao go­verno que os tra­ba­lha­dores estão mo­bi­li­zados na de­fesa dos postos de tra­balho e desta grande em­presa na­ci­onal.»

A afir­mação foi de Mi­guel Va­lente, membro e porta-voz da Co­missão de Tra­ba­lha­dores da TAP. Ombro com ombro com os re­pre­sen­tantes de todos os sin­di­catos, unidos contra as me­didas anun­ci­adas pelo Go­verno PSD/​PP de des­man­te­la­mento e pri­va­ti­zação. A ad­mi­nis­tração anun­ciou a di­visão da em­presa em três uni­dades de ne­gócio e a pri­va­ti­zação que, para os re­pre­sen­tantes dos tra­ba­lha­dores, «é o prin­cípio do fim da TAP com o seu des­mem­bra­mento».

Na con­cen­tração à porta da ad­mi­nis­tração, que levou a uma pa­ra­li­sação geral por duas horas, à ex­cepção dos ser­viços mí­nimos as­se­gu­rados, Ma­nuel Va­lente in­formou os mais de três mil tra­ba­lha­dores da TAP que ali se con­cen­traram das di­li­gên­cias to­madas em total uni­dade por todas as or­ga­ni­za­ções re­pre­sen­ta­tivas dos tra­ba­lha­dores da em­presa.

Após o úl­timo ple­nário re­a­li­zado, e de acordo com a de­cisão aí to­mada, foi en­viada uma carta ao Pri­meiro-Mi­nistro, onde fi­zeram «um pe­dido de au­di­ência com ur­gência». «Es­tamos à es­pera de uma res­posta.» De­pois, uma enorme mol­dura hu­mana des­filou em si­lêncio, desde o edi­fício da ad­mi­nis­tração, ruas fora, até à gare de en­trada dos pas­sa­geiros. Muitos re­cor­davam os acon­te­ci­mentos de há dez anos atrás, dos também duros tempos de luta contra a forma como o go­verno PSD e Ca­vaco Silva tra­taram a TAP e quem lá tra­balha. A in­sen­si­bi­li­dade do go­verno PSD da­quela al­tura, levou os tra­ba­lha­dores da TAP a in­vadir a placa de es­ta­ci­o­na­mento dos aviões.


«A pró­xima…não será com si­lêncio!»


Em acto de ex­tremo ci­vismo, a ini­ci­a­tiva de­correu na maior das tran­qui­li­dades, apesar do sem­blante pe­sado dos mesmo muitos tra­ba­lha­dores ame­a­çados de des­pe­di­mento. Para tran­qui­lizar, dizia Mi­guel Va­lente no início do des­file: «há aí po­lícia mas é para nos guardar e para não nos per­dermos no ca­minho, eles até vão com um carro à frente! Não que­remos qual­quer vi­o­lência, que­remos apenas de­fender a in­te­gri­dade dos nossos postos de tra­balho», afirmou. Fez também um apelo ao bom senso dos tra­ba­lha­dores para não res­pon­derem a pro­vo­ca­ções mesmo que fossem pro­vo­cados. E assim foi.

Com a po­lícia à frente e em cor­dões la­te­rais, des­fi­laram os tra­ba­lha­dores até à porta das par­tidas, onde, con­di­ci­o­nados por umas fitas azuis do lado di­reito da en­trada, se re­a­li­zaram os pre­vi­a­mente com­bi­nados dois mi­nutos de si­lêncio, es­cru­pu­lo­sa­mente, pelos mi­lhares de tra­ba­lha­dores.

«Esta é a forma de nos ma­ni­fes­tarmos hoje. Que­remos que este si­lêncio chegue a São Bento. Se não aten­derem as nossas rei­vin­di­ca­ções, no fu­turo não será com si­lêncio», re­feriu Mi­guel Va­lente que na con­cen­tração ini­cial havia re­cor­dado que aquela luta não era o fim mas o prin­cípio de um ca­minho «que vai levar algum tempo e não po­demos dar os passos todos no mesmo dia. Só com per­sis­tência aca­ba­remos por vencer».

Luísa Ramos, da Co­missão de Tra­ba­lha­dores, ex­plicou como se con­segue uma tão grande uni­dade: «o que nos mo­bi­liza e nos move é que que­remos con­ti­nuar a ser tra­ba­lha­dores da TAP, e todas as formas de luta são pos­sí­veis para o con­se­guir», disse, acres­cen­tando que os tra­ba­lha­dores da TAP querem é de­fender os seus postos de tra­balho.


TAP: Pa­tri­mónio ao des­ba­rato


Há muito que a trans­por­ta­dora aérea, em­presa con­si­de­rada de re­le­vância na­ci­onal, têm sido mal­tra­tada pelos su­ces­sivos go­vernos, ora de di­reita, do PSD/​PP, ora com po­lí­ticas se­me­lhantes por parte dos go­vernos PS. Ambos tudo têm feito para pri­va­tizar a TAP. Foi es­can­da­losa a ne­go­ciata com a fa­lida Swis­sair numa par­ceria que en­ver­go­nhou o go­verno por­tu­guês. Foi a mais re­cente ten­ta­tiva de «re­cu­perar a TAP». O acu­mular de pre­juízos e o des­pe­sismo. No ano pas­sado, o rombo na TAP foi de 22 mi­lhões de euros, me­tade do ano an­te­rior. A re­dução de qua­dros efec­tivos da em­presa, e um in­ves­ti­mento da União Eu­ro­peia no valor de trinta mi­lhões de euros foram o mo­tivo. A ad­mi­nis­tração diz que pre­tende este ano apre­sentar lu­cros, pri­va­ti­zando. Foi, en­tre­tanto anun­ciado que o han­dling, ou seja, a as­sis­tência em es­cala, será a pri­meira parte a vender. A Ibéria es­pa­nhola já se mos­trou in­te­res­sada. Mas, em dez anos, nunca os tra­ba­lha­dores de­mons­traram tanto a uni­dade como agora. O des­mem­bra­mento não é aceite por qual­quer das forças sin­di­cais e a una­ni­mi­dade é total.


Tal EPAC, tal TAP


Mi­guel Va­lente contou que no dia do pro­testo, os tra­ba­lha­dores re­ce­beram duas co­mu­ni­ca­ções da ad­mi­nis­tração, na ten­ta­tiva de os dis­su­adir e con­fundir. Uma, da parte do en­ge­nheiro Fer­nando Pinto, ad­mi­nis­trador de­le­gado da TAP, que con­si­de­rava que os sin­di­catos com aquela ati­tude po­diam pôr em causa o fu­turo da em­presa. Re­cor­damos que Fer­nando Pinto foi o ad­mi­nis­trador que foi fazer as já cha­madas «aqui­si­ções» bra­si­leiras da ad­mi­nis­tração TAP, que ga­nham quase tanto como as es­trelas de fu­tebol mas com uma di­fe­rença: é que, pelos vistos, estes querem des­truir a equipa e o clube. Os bra­si­leiros Ma­nuel Torres, Luiz Gama Môr e Mi­chael Co­nolly au­ferem de sa­lá­rios de 20 mil euros por mês cada, quatro mil contos. Além disto ainda re­cebem uma quantia cujo mon­tante nunca foi re­ve­lado, de com­pen­sação pelo con­trato que ti­nham com a Swis­sair. Em nome de todas as ten­dên­cias sin­di­cais, Mi­guel Va­lente lem­brou que os tra­ba­lha­dores «tudo tem feito, in­cluindo muitos sa­cri­fí­cios na de­fesa dos nossos postos de tra­balho e da em­presa». O con­selho de ad­mi­nis­tração diz que os sin­di­catos andam a es­pa­lhar «o alar­mismo e a de­turpar a si­tu­ação». O di­ri­gente sin­dical teve de re­cordar que quem pro­vocou os re­ceios, «foi o en­ge­nheiro Car­doso e Cunha que en­co­mendou uns es­tudos e co­meçou logo a falar no des­mem­bra­mento da em­presa em sec­ções, di­vidir a em­presa para que a TAP acabe como acabou a EPAC».

Mi­guel Va­lente re­cordou a his­tória do fim da EPAC que, como re­feriu, «também co­meçou com grandes pro­jectos e par­ce­rias, como com a SI­LOPOR na Tra­faria, com ins­ta­la­ções re­co­nhe­ci­da­mente de luxo, e hoje não existe mais EPAC»,re­cordou, sa­li­en­tando que, «se os tra­ba­lha­dores não lu­tarem, este será cer­ta­mente também o fu­turo da TAP. É por isso que só com a luta po­de­remos vencer», con­cluiu o re­pre­sen­tante dos tra­ba­lha­dores.

 

O si­lêncio valeu por mil pa­la­vras

 

A Co­missão de tra­ba­lha­dores da TAP fez notar que o res­pon­sável da si­tu­ação é o Con­selho de ad­mi­nis­tração que pre­tende agora re­duzir em 35 por cento os postos de tra­balho, pois a po­lí­tica que sempre têm se­guido «é a re­dução de efec­tivos da em­presa num pro­cesso con­ti­nuado, não po­dendo por isso res­pon­sa­bi­lizar os tra­ba­lha­dores», notou Mi­guel Va­lente. Os tra­ba­lha­dores acor­daram que este foi o co­meço de uma luta em que, só todos unidos, os tra­ba­lha­dores terão a força ne­ces­sária para re­sistir. Por isso de­ci­diram que esta pri­meira acção seria o des­file si­len­cioso com dois mi­nutos sem se ouvir um mur­múrio, junto à en­trada das par­tidas do ae­ro­porto da Por­tela. Ficou pro­vado que «o si­lêncio também é uma forma de pro­testo», e serviu para «chamar a atenção do se­nhor pri­meiro mi­nistro, numa clara de­mons­tração de re­púdio pela ten­ta­tiva de des­truição da TAP».

Já hoje, dia 6 de Março, os re­pre­sen­tantes da Co­missão de Tra­ba­lha­dores e os di­ri­gentes sin­di­cais vão des­locar-se à re­si­dência ofi­cial do Con­selho de Mi­nis­tros, onde en­tre­garão uma carta com as rei­vin­di­ca­ções dos tra­ba­lha­dores da em­presa.



Mais artigos de: Trabalhadores

Desemprego tem causas

O brutal au­mento do de­sem­prego deve-se ao mo­delo de de­sen­vol­vi­mento que tem sido se­guido, afirma a CGTP, que res­pon­sa­bi­liza o Go­verno pelo su­ce­dido.

Lutar contra a regressão

A CGTP convocou para o próximo dia 21 de Março uma «jornada nacional e europeia contra a regressão social e pelos direitos dos trabalhadores». Esta acção culminará uma quinzena de luta iniciada no dia 8 de Março, Dia Internacional da Mulher, e...

Pelo emprego

Os trabalhadores da fábrica da Phillips de Ovar concentraram-se junto ao edifício da câmara municipal, no passado dia 28 de Fevereiro, para protestar contra o desmembramento da empresa, já em curso (ver texto página 22). Os trabalhadores concentraram-se depois de terem estado reunidos...

Pôr fim às privatizações dos transportes

Vários sindicatos da CGTP e comissões de trabalhadores do sector dos transportes – rodoviário, ferroviário, aéreo, marítimo e fluvial – estiveram reunidos em Lisboa, no passado dia 27, num plenário. Os orgãos representativos dos trabalhadores...