António Vitorino de Almeida (1940 -)

An­tónio Vi­to­rino de Al­meida, o “Ma­estro”, assim lhe chama o povo. Forma de tra­ta­mento que mis­tura a res­pei­ta­bi­li­dade com o olhar ter­nu­rento. No en­tanto, reger or­ques­tras sin­fó­nicas foi coisa que ra­ra­mente fez e para a qual nunca teve es­pe­cial vo­cação. Tem sido fun­da­men­tal­mente com­po­sitor, pi­a­nista, es­critor e um digno vul­ga­ri­zador da arte mu­sical, no mais nobre e eti­mo­ló­gico sen­tido do termo, ou seja o de al­guém que leva algo até junto do vulgo, so­cor­rendo-se para tal, neste par­ti­cular, da te­le­visão como po­de­roso meio de co­mu­ni­cação de massas que é. Quem não se lembra de pro­gramas te­le­vi­sivos de sua au­toria como His­tó­rias da Mú­sica, A Mú­sica e o Si­lêncio, em que evi­den­ciou a re­lação di­a­léc­tica que a mú­sica es­ta­be­lece com vá­rios as­pectos da vida real, ou ainda da sua pre­sença no Zip-Zip como in­tér­prete e co­men­tador?

No seu modo de in­tervir cul­tu­ral­mente há uma fre­quente ten­dência para o humor, para a ironia crí­tica e para o tra­ta­mento pa­ro­diado. Essa in­cli­nação, que, para além de ser ca­rac­te­rís­tica en­dó­gena, traço mar­cante do perfil de per­so­na­li­dade, é também uma vir­tude, nem sempre se con­cilia com aquilo a que se po­derá chamar o total rigor ci­en­tí­fico do dis­curso, tanto oral como es­crito, o que não pode deixar de ser con­si­de­rado de­feito.

Em país com po­lí­ticas cul­tu­rais mais efec­tivas e mais amigas dos seus agentes – que são, antes de mais, os es­pí­ritos cri­a­dores de obra ori­ginal – e em que cul­tura e artes sejam me­re­ce­doras de outra atenção, a obra com­po­si­ci­onal de Vi­to­rino de Al­meida seria mui­tís­simo mais to­cada e di­vul­gada do que efec­ti­va­mente é no seu pá­trio torrão, em pre­juízo de todos nós, po­ten­ciais frui­dores. No en­tanto, ele é autor de uma ex­tensa e va­riada pro­dução mu­sical, des­ti­tuída de sno­bismos es­té­ticos ou eli­tismo, e em que muitas vezes se pro­cura com­binar o eru­dito com o po­pular, sus­ci­tando através da pró­pria mú­sica o de­bate sobre essa di­co­tomia – como acon­tece com a Sin­fonia Con­cer­tante. Autor eru­dito fas­ci­nado com a cul­tura po­pular ur­bana, nunca he­sitou em ex­plorar ou­tros ter­ri­tó­rios ar­tís­ticos, no­me­a­da­mente o do jazz e do fado, co­la­bo­rando com Ary e C.do Carmo na fei­tura de ce­le­brados fados-canção. Em 1960 compôs a Sin­fonia nº1 «Ben­fica», a única no mundo ins­pi­rada num clube de fu­tebol (o seu “glo­rioso”) e a ele de­di­cada. Estas com­po­si­ções, bem como muitas ou­tras, são de­mons­tra­tivas de como Vi­to­rino de Al­meida cul­tiva uma visão muito abran­gente do fe­nó­meno mu­sical. Ca­rac­te­rís­tica que o dis­tingue.

 

Car­va­lhesa


O pri­meiro ar­ranjo sobre o tema po­pular «Car­va­lhesa», a partir da re­colha feita por Kurt Schin­dler em 17 de Ou­tubro de 1932 em Tui­zelo (Vi­nhais, Bra­gança) e re­pro­du­zida por Mi­chel Gi­a­co­metti e Fer­nando Lopes-Graça no seu «Can­ci­o­neiro Po­pular Por­tu­guês» (Lisboa, 1981), foi gra­vado em 1985, abrindo e en­cer­rando desde então os palcos da Festa do «Avante!» e sendo uti­li­zado (para tal fim foi ela­bo­rado) em mi­lhares de ini­ci­a­tivas po­lí­ticas do PCP e da CDU.

Após uma pri­meira edição em vinyl (maxi-single), viria a ser ob­jecto de uma se­gunda edição, em CD, em Agosto de 2001, co­me­mo­rando a 25ª edição da Festa do «Avante!».

Em 1991 fora pu­bli­cada uma edição nu­me­rada e li­mi­tada a 150 exem­plares que, além de di­versa do­cu­men­tação, in­cluía uma se­ri­grafia ori­ginal de Ma­nuel Sam­payo e um CD para o qual foram en­co­men­dados novos ar­ranjos do tema ori­ginal a José Edu­ardo Con­ceição e Silva (um para big band de jazz e outro em es­tilo fu­sion), a José da Ponte e Gui­lherme Scarpa Inez (uma então ino­va­dora uti­li­zação de com­pu­ta­dores) e outra ao ma­estro An­tónio Vic­to­rino D’Al­meida para or­questra de câ­mara.

Pos­te­ri­or­mente a essa edição, An­tónio Vic­to­rino D’Al­meida tra­ba­lhou ainda sobre o tema cons­truindo a peça que de­signou Aber­tura Clás­sica, op. 87 que, sob a di­recção de Álvaro Cas­suto, foi gra­vada pela Bruckner Or­chester Linz (Áus­tria) e edi­tada em 2008 em CD pela edi­tora Nu­mé­rica (NUM 160).

Es­creve o autor no fo­lheto que acom­panha o CD que «… a ‘Aber­tura Clás­sica’ foi de certo modo uma aposta com al­guém que se es­que­cera de que a mú­sicas tra­di­ci­onal por­tu­guesa é pro­fun­da­mente eu­ro­peia e po­deria per­fei­ta­mente ter sido uti­li­zada como base de com­po­sição por qual­quer com­po­sitor clás­sico de outro país, no­me­a­da­mente por um Schu­bert…»

Para a exe­cução neste con­certo co­me­mo­ra­tivo do 25º ani­ver­sário do pri­meiro re­gisto e po­dendo contar com uma or­questra sin­fó­nica com­pleta, An­tónio Vic­to­rino D’Al­meida compôs ex­pres­sa­mente um novo final (coda) de perfil sin­fó­nico.



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