Igor Stravinsky (1882-1971)

Igor Stra­vinsky, nas­cido na Rússia filho de um dos mais des­ta­cados can­tores da com­pa­nhia de ópera do Te­atro Ma­ri­insky (S.Pe­ters­burgo), cresceu num am­bi­ente em que a mú­sica sempre teve forte pre­sença. Es­tudou com Rimsky-Kor­sakov que muito in­flu­en­ciou a sua pri­meira fase cri­a­tiva. A sua for­mação como com­po­sitor faz-se sob a égide de al­gumas grandes fi­guras da mú­sica russa que o an­te­ce­deram (Tchai­kovsky, Bo­rodin, Gla­zunov). Porém, mais tarde irá ad­quirir na­ci­o­na­li­dade fran­cesa e ame­ri­cana, tor­nando-se um ar­tista uni­versal, autor de ex­tensa e muito va­riada obra.

A es­treia da sua Sa­gração da Pri­ma­vera em Paris (1913), fruto da co­la­bo­ração com a com­pa­nhia de bai­lado de Dya­gilev [ou Di­a­guilev] – os cé­le­bres Bal­lets Russes – cons­ti­tuiu um dos mai­ores es­cân­dalos ar­tís­ticos do sé­culo XX, ori­gi­nando con­frontos fí­sicos entre par­ti­dá­rios da ino­vação es­té­tica e con­ser­va­dores. Essa obra-prima pro­ta­go­nizou uma mu­dança cru­cial na na­tu­reza da mú­sica oci­dental.

Como com­po­sitor deu par­ti­cular re­levo aos ins­tru­mentos de sopro e de per­cussão, para além do piano, che­gando mesmo a evitar, no início dos anos 1920, os ins­tru­mentos de corda a que tra­di­ci­o­nal­mente era dado maior re­levo.

Já perto do fim da vida, nos anos 60, Stra­vinsky es­teve em Lisboa, a con­vite de Aze­redo Per­digão (sau­doso pre­si­dente da Fun­dação Gul­ben­kian), di­ri­gindo al­gumas das suas obras num his­tó­rico con­certo no Co­liseu. Uma pe­drada no charco sa­la­za­rento que então nos con­ta­mi­nava de me­di­o­cri­dade. Fez-se então acom­pa­nhar de Ro­bert Craft que foi a partir 1948 o seu prin­cipal as­sis­tente.

Nesse final de vida Stra­vinsky fa­lava muito len­ta­mente, pro­nun­ci­ando as pa­la­vras de forma ar­ras­tada mas com mu­si­ca­li­dade ca­den­ciada. Ouvi-lo era como es­cutar a voz de um orá­culo clás­sico. As frases es­tru­tu­ravam-se di­ante do in­ter­lo­cutor en­can­tado, uma após outra, como se­rena cas­cata de au­tên­ticas as­ser­ções la­pi­dares.

 

Gre­e­ting Pre­lude


Quando um dia, no verão de 1950, em Aspen, Stra­vinsky pegou na ba­tuta para dar início a um en­saio de or­questra para um con­certo com a Se­gunda Sin­fonia de Tchai­kovsky em vez do som dos ins­tru­mentos de corda no início me­lan­có­lico da re­fe­rida sin­fonia foi sur­pre­en­dido por so­no­ri­dade to­tal­mente di­fe­rente, cau­sando-lhe um choque: o som que brotou da or­questra di­ante de si foi o da co­nhe­ci­dís­sima me­lodia de Mil­dred Hill “Happy Birthday to You”. Acon­te­cera que os mú­sicos da or­questra ti­nham re­sol­vido fazer uma brin­ca­deira para ho­me­na­ge­arem um dos co­legas que tinha aca­bado de se tornar pai. O choque e as emo­ções des­po­le­tadas por essa ines­pe­rada troca de sons num mo­mento de es­pe­cial con­cen­tração per­ma­ne­ceram na mente do com­po­sitor ma­estro, e quando anos mais tarde se fes­tejou o oc­to­gé­simo ani­ver­sário do cé­lebre chefe de or­questra Pi­erre Mon­teux, mais pre­ci­sa­mente no dia 4 de Abril de 1955, Stra­vinsky re­solveu compor este Pre­lúdio de Sau­dação pe­gando na mu­si­quinha de Hill e trans­for­mando-a numa cur­tís­sima peça de grande eru­dição com­po­si­ci­onal. Dura menos de 1 mi­nuto. Trata-se no fundo de um ar­ranjo. Só que com humor e ironia é feito um no­tável exer­cício de es­crita mu­sical, re­cor­rendo a múl­ti­plos pro­cessos e tru­ques con­tra­pon­tís­ticos. É mag­ní­fico exemplo da di­fe­rença entre “mú­sica li­geira” e “mú­sica eru­dita”. O re­sul­tado é de­li­ci­o­sa­mente di­ver­tido, mas para o po­dermos as­si­milar to­tal­mente são re­que­ridos co­nhe­ci­mentos de com­po­sição que não estão ao al­cance do leigo. Tra­tava-se, afinal, não o es­que­çamos, de um pre­sente de ani­ver­sário para um mú­sico de grande eru­dição: P.Mon­teux.



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