25 anos da Carvalhesa

Beber a água na fonte

Anabela Fino

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No que à cha­mada mú­sica eru­dita diz res­peito, o imenso es­paço fron­teiro ao Palco 25 de Abril é se­gu­ra­mente a mais in­só­lita – e ir­re­ve­rente – sala de con­certos. Des­con­tados os mú­sicos, que ali se apre­sentam tra­jados a rigor, tudo o mais con­tradiz o que «deve ser»: não há pol­tronas nem lu­gares mar­cados – o pú­blico senta-se no chão e o chão está posto; ca­deiras, se as há, só mesmo de cam­pismo e tra­zidas de casa; não há portas que se fe­chem à hora mar­cada, nem si­lên­cios re­ve­rentes mal soam os pri­meiros acordes; não há, so­bre­tudo, aquela qui­e­tude que toma conta das salas de con­certo quando o es­pec­tá­culo co­meça.

E no en­tanto… no en­tanto há qual­quer coisa de má­gico e de pro­fun­da­mente co­mo­vente que só é pos­sível na Festa do Avante! e que faz com que ano após ano, nas noites de sexta-feira, mi­lhares e mi­lhares de pes­soas se juntem nessa sala im­pro­vável do Palco 25 de Abril para uma ex­pe­ri­ência quase sempre nova: as­sistir a um con­certo de mú­sica clás­sica.

Este ano o de­safio foi mais longe e de forma mais te­me­rária. De­di­cado aos 25 anos da Car­va­lhesa, o es­pec­tá­culo co­meçou com os acordes… da Car­va­lhesa. Ora é sa­bido que esta mú­sica exerce uma atracção sem pa­ra­lelo, em par­ti­cular na ju­ven­tude, qual apelo ir­re­cu­sável à dança e ao canto. A fazer lem­brar as pa­la­vras can­tadas de Chico Bu­arque, a pro­pó­sito do samba: …quem não gosta de samba, bom su­jeito não é; ou é ruim da ca­beça, ou do­ente do pé…

Foi o que su­cedeu. Vindos de todo o lado, atraídos pela Car­va­lhesa, jo­vens cada vez mais jo­vens in­va­diram o re­cinto para des­co­brirem, por­ven­tura com sur­presa, uma mão cheia de com­po­si­tores e com­po­si­ções que be­beram na mú­sica po­pular a vi­ta­li­dade e o poder de co­mu­nicar e se­duzir que os guindou à ga­leria dos imor­tais.

Como sempre su­cede em todos os novos en­con­tros, houve mo­mentos de em­patia, ou­tros de es­tra­nheza ou até de de­sa­tenção, ou­tros ainda de emoção.

Pode pa­recer es­tranho aos pu­ristas que os pri­meiros sons da Suite Alen­te­jana, N.º 1 de Luís de Freitas Branco tenha sido acom­pa­nhada de in­sis­tentes «sen­tados, sen­tados», fór­mula clás­sica de con­vencer os que estão à frente, de pé, a de­sobs­truir o campo de visão dos de­mais.

Pode pa­recer uma he­resia que al­guém se le­vante a meio da Dança Ri­tual do Fogo, de Ma­nuel de Falla, mo­vido pela ne­ces­si­dade pre­mente de repor ní­veis friá­ticos e volte – já a Sin­fo­ni­etta de Lisboa ‘ata­cava’ Ho­e­down, de Aaron Co­pe­land, sob a ba­tuta do ma­estro Vasco Aze­vedo – com um par de cer­vejas para os amigos, e sem es­perar se­quer pelo fim da com­po­sição pro­ponha um brinde: «Viva o PCP, Viva o Avante!».

Pode pa­recer um sa­cri­légio que a Rap­sódia em Blue, de Ge­orge Gershwin, seja en­tre­cor­tada por um «Mário, és o maior» num tri­buto me­re­cido, ainda que ex­tem­po­râneo, a Mário La­ginha.

Pode até ser in­com­pre­en­sível, para muitos, que a in­tensa in­ter­pre­tação do 3.º an­da­mento do Con­certo n.º 2 em Dó Menor op. 18, de Sergei Ra­cha­ma­ni­noff, por An­tónio Ro­sado, tenha pas­sado des­per­ce­bida a uns quantos en­tre­tidos com men­sa­gens de te­le­móvel…

E no en­tanto… no en­tanto a ver­dade é que mi­lhares e mi­lhares de pes­soas – tão jo­vens, na sua mai­oria, que nos fa­ziam sentir «kotas» ali en­ca­lhados por en­gano – se foram ren­dendo à mú­sica, be­beram da­quela água que jorra ines­go­tável da fonte da ver­da­deira mú­sica po­pular, sen­tiram o seu poder e a sua ge­ne­ro­si­dade, des­co­briram cada ritmo a co­cegar os pés para a dança, ba­teram palmas pelo puro prazer de tocar uma e outra mú­sica, ex­pri­miram sem pudor a ale­gria de ter o pri­vi­légio de as­sistir ao vivo ao mag­ní­fico dueto Mário La­ginha/​An­tónio Ro­sado, sau­daram como amigo de longa data o ma­estro Vi­to­rino D’Al­meida (também ele ins­pi­rado pela Car­va­lhesa para a sua Aber­tura Clás­sica, op. 87).

De­pois… De­pois foi o final com a Car­va­lhesa, ela pró­pria, a fazer bater mais forte os co­ra­ções e a tomar conta dos corpos numa dança vinda do fundo do tempo, dessas que fazem tremer a terra, como quem diz es­tamos aqui, be­bemos desta água e o fu­turo é nosso.



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