Entrevista com Francisco Lopes

Portugal é o povo e não os bancos e a especulação

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Es­tamos em plena dis­cussão do Or­ça­mento do Es­tado e su­cedem-se os apelos, no­me­a­da­mente de Ca­vaco Silva, para que PS e PSD se en­tendam para a sua apro­vação. Que fa­rias nesta si­tu­ação se fosses Pre­si­dente da Re­pú­blica?

 

A questão não é o Or­ça­mento, mas que or­ça­mento e em que sen­tido... O im­por­tante é saber se o Or­ça­mento se in­sere na mu­dança que Por­tugal pre­cisa ou se, pelo con­trário, acres­centa e acentua todos os traços ne­ga­tivos desta po­lí­tica de­sas­trosa. Neste mo­mento, há uma grande dis­puta entre o PS e o PSD, mas só apa­ren­te­mente, pois nas me­didas es­sen­ciais estão de acordo. Ambos têm cons­ci­ência da gra­vi­dade das me­didas que estão a ser to­madas, e da forma como atingem o povo por­tu­guês, e querem dar a ideia de que a res­pon­sa­bi­li­dade é do outro.

 

E agora até os ban­queiros se pro­nun­ciam aber­ta­mente exi­gindo a apro­vação do Or­ça­mento...

 

Era co­nhe­cido que o poder po­lí­tico es­tava sub­me­tido ao poder eco­nó­mico, que a acção de su­ces­sivos go­vernos, res­pon­sá­veis po­lí­ticos, do ac­tual Pre­si­dente da Re­pú­blica era de com­pro­me­ti­mento dos in­te­resses dos tra­ba­lha­dores, do povo e do País ao ser­viço dos grupos eco­nó­micos e fi­nan­ceiros.

Era co­nhe­cido que os res­pon­sá­veis po­lí­ticos por­tu­gueses ab­dicam da so­be­rania e da in­de­pen­dência na­ci­onal. No en­tanto, o pro­cesso do Or­ça­mento do Es­tado re­vela com evi­dência a pro­fun­di­dade e ar­ro­gância do as­salto à so­be­rania po­pular e à in­de­pen­dência na­ci­onal. Os prin­ci­pais ban­queiros as­su­miram-se como co­missão de pro­moção da apro­vação do Or­ça­mento, Durão Bar­roso e de­mais co­mis­sá­rios da União Eu­ro­peia de­cla­raram-se no mesmo sen­tido e, como não podia deixar de ser, o em­bai­xador dos EUA em Por­tugal fez também o seu pro­nun­ci­a­mento para a apro­vação do Or­ça­mento. É o Or­ça­mento deles, dos ban­queiros, e um brutal ins­tru­mento de in­jus­tiça so­cial e do afun­da­mento do País.

Há, assim, uma con­so­nância não só entre o PS e o PSD, mas também com os grupos eco­nó­micos, a banca, o Fundo Mo­ne­tário In­ter­na­ci­onal, a União Eu­ro­peia, o Banco Cen­tral Eu­ropeu... Ou seja, entre todos os res­pon­sá­veis pela crise. Eles estão de acordo com as li­nhas deste Or­ça­mento – que são a con­ti­nu­ação agra­vada das re­ceitas que con­du­ziram ao afun­da­mento do País. Vêm propor as mesmas re­ceitas que le­varam a esta si­tu­ação como se fossem so­lução para os pro­blemas...

 

E que so­lução é essa?

 

Pro­duzir mais para im­portar menos e ex­portar mais, apro­vei­tando os re­cursos na­ci­o­nais, criar ri­queza e em­prego com di­reitos. Dis­tri­buir com jus­tiça a ri­queza criada. Me­lhorar os ser­viços pú­blicos e não des­truí-los. Va­lo­rizar os apoios so­ciais, apostar no in­ves­ti­mento pú­blico, no sector em­pre­sa­rial do Es­tado e no apoio às micro, pe­quenas e mé­dias em­presas. Estas são me­didas ne­ces­sá­rias. E o que está pre­visto no Or­ça­mento não leva a este ca­minho, muito pelo con­trário.

Ad­mite-se que em­purrem o País para a re­cessão, a des­truição da pro­dução na­ci­onal e o au­mento do de­sem­prego? Ad­mite-se que queiram cortar nos sa­lá­rios, con­gelar as pen­sões, pôr em causa os apoios so­ciais, des­truir os ser­viços pú­blicos e au­mentar a ge­ne­ra­li­dade dos preços? Ad­mite-se que im­peçam o acesso de cen­tenas de mi­lhares de por­tu­gueses aos cui­dados de saúde com o au­mento dos preços dos me­di­ca­mentos e o pa­ga­mento de aná­lises e exames mé­dicos? Ad­mite-se que cortem o pre­sente e o fu­turo das novas ge­ra­ções com a pre­ca­ri­e­dade, os baixos sa­lá­rios, a que se acres­centa agora o corte ou re­dução do abono de fa­mília a 1 mi­lhão e 400 mil cri­anças?

E em nome de quê? Dos be­ne­fí­cios dos mesmos de sempre, dos grandes grupos eco­nó­micos e fi­nan­ceiros e da banca. Esses que ao longo dos úl­timos seis anos (os anos da «crise» e do «dé­fice») ti­veram 32 800 mi­lhões de euros de lu­cros e be­ne­fi­ci­aram, só no ano pas­sado, com mi­lhares de mi­lhões de euros do erário pú­blico, como acon­teceu com o BPN. É pre­ci­sa­mente para ca­na­lizar para aí que estão a re­tirar das fa­mí­lias e a agravar a ex­plo­ração.

 

Em­bora apre­sentem essas op­ções como uma ne­ces­si­dade de­cor­rente da pressão dos «mer­cados»...

 

Es­tamos pe­rante um pro­cesso de sub­ser­vi­ência de Por­tugal ao es­tran­geiro através da usura e da ex­torsão. O Banco Cen­tral Eu­ropeu em­presta aos bancos a um por cento e Por­tugal, que pre­cisa de se fi­nan­ciar, fá-lo com juros de seis por cento ou mais... E os bancos uti­lizam os tí­tulos da dí­vida pú­blica por­tu­guesa para ir buscar mais di­nheiro ao BCE. Com isto vão sair do erário pú­blico, já este ano, 800 mi­lhões de euros só para pa­ga­mento de juros.

O Pre­si­dente da Re­pú­blica disse al­guma coisa sobre isto? E o Go­verno? Com­pre­ende-se que não o te­nham feito, pois eles são os pais deste sis­tema. O pro­cesso de in­te­gração eu­ro­peia, o sis­tema do Euro, do Banco Cen­tral Eu­ropeu, da União Eco­nó­mica e Mo­ne­tária foram cons­truídos com o acordo dos res­pon­sá­veis po­lí­ticos por­tu­gueses, dos go­vernos do PS e do PSD, do ac­tual Pre­si­dente da Re­pú­blica, do can­di­dato Ma­nuel Alegre...

 

Ti­nham poder de veto e nunca o usaram...

 

E não só. Apro­varam e es­ti­mu­laram tudo isto... Não foi Ca­vaco Silva que a pro­pó­sito do Euro, da União Eco­nó­mica e Mo­ne­tária e do Banco Cen­tral Eu­ropeu afirmou que isto sig­ni­fi­caria co­locar Por­tugal no pe­lotão da frente? Só se for no pe­lotão da frente da es­pe­cu­lação, da des­truição do apa­relho pro­du­tivo, do de­sem­prego, da pre­ca­ri­e­dade e da in­jus­tiça...

São estas op­ções que é ne­ces­sário mudar. É esta a di­fe­rença entre um rumo de pro­gresso e um rumo de afun­da­mento. A di­fe­rença que a nossa can­di­da­tura com­porta em re­lação às ou­tras can­di­da­turas que se apre­sentam a estas elei­ções pre­si­den­ciais, ou seja, a uma função que entre os seus po­deres es­sen­ciais tem a obri­gação de as­se­gurar a in­de­pen­dência na­ci­onal e a so­be­rania po­pular. Por isso é ne­ces­sário que na Pre­si­dência da Re­pú­blica es­teja quem co­nheça, com­pre­enda e sinta os pro­blemas, an­gús­tias e as­pi­ra­ções dos tra­ba­lha­dores e do povo por­tu­guês e não quem veja o País como sendo os grandes grupos eco­nó­micos e a es­pe­cu­lação fi­nan­ceira. 


Es­tamos a pagar os lu­cros dos grandes grupos eco­nó­micos

 

Tem-se fa­lado muito da pos­si­bi­li­dade de os or­ça­mentos dos países serem su­jeitos ao aval prévio de ins­ti­tuição co­mu­ni­tá­rias...

 

A questão do Or­ça­mento é uma parte dos pro­blemas gra­vís­simos que temos de am­pu­tação da so­be­rania e in­de­pen­dência. E o Pre­si­dente da Re­pú­blica e o Go­verno não só não cri­ticam este tipo de com­por­ta­mentos como até os es­ti­mulam. Temos as­sis­tido a coisas es­pan­tosas mas que são ine­rentes à ló­gica do ca­pi­ta­lismo e da União Eu­ro­peia em que não só se pro­cessa a ex­plo­ração dos tra­ba­lha­dores e dos povos como a su­bor­di­nação dos países menos de­sen­vol­vidos aos in­te­resses das mul­ti­na­ci­o­nais dos países mais po­de­rosos...

Ou­vimos res­pon­sá­veis po­lí­ticos e co­men­ta­dores di­zerem que a União Eu­ro­peia e o go­verno alemão têm o di­reito de se pro­nun­ci­arem sobre o Or­ça­mento porque «são eles que pagam». Men­tira! A si­tu­ação é in­versa. O Mer­cado Único, não tendo ha­vido ga­ran­tias de so­be­rania re­la­ti­va­mente à in­dús­tria, à agri­cul­tura e às pescas, levou à li­qui­dação da pro­dução na­ci­onal. Nós es­tamos a com­prar ao es­tran­geiro os pro­dutos de que pre­ci­samos e que antes pro­du­zíamos...

 

Es­tamos a pagar o cres­ci­mento das grandes po­tên­cias, é isso?

 

Sim, o seu cres­ci­mento e a acu­mu­lação das suas grandes em­presas. E os fundos co­mu­ni­tá­rios são uma com­pen­sação pe­quena, que não chega para com­pensar os pre­juízos deste me­ca­nismo tri­tu­rador do Mer­cado Único sobre a eco­nomia na­ci­onal. Mas há mais: al­guns desses fundos co­mu­ni­tá­rios vêm con­di­ci­o­nados na sua apli­cação. Vi­eram para a pesca para quê? Para abater a frota e pro­duzir menos. Vi­eram para a agri­cul­tura para quê? Para não se pro­duzir e con­ti­nu­armos a com­prar lá fora aquilo de que pre­ci­samos.

É falsa essa ideia de que podem de­cidir porque são eles que pagam. Nunca te­riam o di­reito de de­cidir sobre o nosso Or­ça­mento, mas não são eles que pagam. Quem está a pagar é o povo por­tu­guês e Por­tugal para au­mentar os lu­cros dos bancos e das mul­ti­na­ci­o­nais desses grandes países.

 

Ci­meira tem ob­jec­tivos con­trá­rios à paz

A NATO deve ser dis­sol­vida

 

Es­tamos a cerca de um mês da Ci­meira da NATO em Por­tugal e até ao mo­mento nem Ca­vaco Silva nem qual­quer um dos ou­tros can­di­datos disse nada sobre o as­sunto. Como can­di­dato à Pre­si­dência da Re­pú­blica, e por­tanto a chefe su­premo das Forças Ar­madas, o que tens a dizer sobre esta ci­meira?

 

Olhando para a re­a­li­dade ac­tual, penso ser fun­da­mental a afir­mação da co­o­pe­ração, da paz e da ami­zade entre os povos e os países. Para além de ser parte in­te­grante do com­pro­misso da can­di­da­tura, é também um dos as­pectos que a Cons­ti­tuição da Re­pú­blica con­sagra e que devia ori­entar o po­si­ci­o­na­mento do Es­tado por­tu­guês nos mais di­versos planos.

Re­la­ti­va­mente à NATO, de­fendo que deve ser dis­sol­vida e que devia ser con­ce­bido um sis­tema de se­gu­rança global ba­seado na in­de­pen­dência, na ami­zade e na co­o­pe­ração. Esta ci­meira está as­so­ciada a uma ori­en­tação oposta: pre­tende-se não só a afir­mação da NATO mas o alar­ga­mento do seu con­ceito es­tra­té­gico para lhe dar com ainda mais ni­tidez um ca­rácter agres­sivo, de pro­moção da guerra, da agressão e da ocu­pação. Não apenas na sua área mas em todo o mundo.

 

Que de­ve­riam os res­pon­sá­veis po­lí­ticos fazer em re­lação a isto?

 

Na minha opi­nião, o Es­tado por­tu­guês deve ter uma in­ter­venção que con­trarie os ob­jec­tivos sub­ja­centes à ci­meira e deve in­tervir para que a NATO seja dis­sol­vida.

 

Há quem co­loque a exi­gência de saída de Por­tugal da NATO...

 

É pouco. Por­tugal deve in­tervir para que a NATO seja dis­sol­vida. Não é apenas a questão de Por­tugal estar ou não estar. Não é in­di­fe­rente se essa or­ga­ni­zação deixa de existir ou se con­tinua e se re­força...

 

E re­la­ti­va­mente à par­ti­ci­pação de tropas por­tu­guesas nessa ope­ra­ções?

 

Toda esta ori­en­tação de su­bor­di­nação da po­lí­tica na­ci­onal aos in­te­resses dos grandes grupos eco­nó­micos e fi­nan­ceiros contra os in­te­resses do povo, esta ab­di­cação da so­be­rania e da in­de­pen­dência na­ci­onal, re­flecte-se também nas Forças Ar­madas. Re­flecte-se no des­res­peito pelos di­reitos dos mi­li­tares e re­flecte-se na missão das Forças Ar­madas, que têm um papel na de­fesa da so­be­rania e in­de­pen­dência na­ci­o­nais que pro­gres­si­va­mente tem sido des­vir­tuado. Têm sido em­pur­radas para mis­sões no es­tran­geiro, como uma secção e um ins­tru­mento das es­tra­té­gias agres­sivas e de do­mínio dos Es­tados Unidos da Amé­rica e de ou­tros países.

 

Con­cluindo, há que con­ti­nuar a luta...

 

A re­a­li­dade com que es­tamos con­fron­tados re­vela mais uma vez as ca­rac­te­rís­ticas do ca­pi­ta­lismo: a ex­plo­ração, a agressão e a guerra. As ame­aças à paz, os ata­ques à so­be­rania dos povos, o gi­gan­tesco pro­cesso de agra­va­mento da ex­plo­ração e de re­gressão so­cial que está em curso exige uma forte e con­fi­ante in­ter­venção de re­sis­tência e trans­for­mação no sen­tido do pro­gresso so­cial. Re­força a afir­mação da im­por­tância e da ne­ces­si­dade de uma so­ci­e­dade mais justa, da luta que tra­vamos por uma de­mo­cracia avan­çada e pelo so­ci­a­lismo.



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