Comentário

A chantagem do défice

Ilda Figueiredo

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Na sessão da semana passada, no Parlamento Europeu, viveu-se um ambiente de grande tensão e de enormes contradições, que revelam a perigosa encruzilhada em que se encontra esta integração capitalista da União Europeia.

A menos de um ano da entrada em vigor do Tratado de Lisboa, aproveitando os mecanismos que o mesmo criou para novas revisões, a Alemanha e a França lançaram a questão constitucional – pôr fim a qualquer resquício da obrigatoriedade da unanimidade, sobretudo em questões centrais da economia e das sanções contra estados que sejam membros da União Europeia.

No debate parlamentar com o Conselho e a Comissão, as intervenções dos deputados de diversas bancadas foram dominadas pela declaração conjunta da Alemanha e da França no chamado acordo Deauville. Houve até quem lhe chamasse o acordo de casino, sublinhando o jogo demasiado alto da Alemanha, de querer rever o Tratado de Lisboa para concentrar ainda mais o poder de aplicação de sanções aos estados que não cumprissem as suas orientações, podendo ir até à retirada do direito de voto àqueles que não cumprirem os critérios irracionais do Pacto de Estabilidade e as orientações macroeconómicas.

As decisões deixariam de ser tomadas por unanimidade e passariam a sê-lo por maioria qualificada. Ou seja, de uma penada, a Alemanha e a França querem desvalorizar alguns estados, transformá-los numa espécie de parente pobre que dorme no quarto escuro ou no alpendre, simples regiões da grande Europa onde a Alemanha e a França dominam.

Na verdade, a declaração conjunta da França e da Alemanha, elaborada à margem de um encontro que Merkel e Sarkozy tiveram com a Rússia, na cidade balnear francesa de Deauville, onde, além da praia, existe um casino, é inadmissível e demonstra a verdadeira face de quem dita as ordens na defesa dos grupos económicos e financeiros, pondo em causa a independência nacional de estados soberanos, transformando-os em simples protectorados da Alemanha. Revela também impaciência, arrogância e agressividade perante as respostas dos trabalhadores e das populações atingidas pelas políticas neoliberais e anti-sociais da União Europeia, seja na Grécia, França, Espanha ou em Portugal, onde já está prevista uma greve geral para dia 24 de Novembro.

Mas se estas propostas mereceram o nosso mais vivo protesto, a verdade é que as propostas da Comissão Europeia não são melhores. Querem aplicar a obrigatoriedade de um depósito prévio do Estado em risco de infracção (0,2% do seu PIB), montante que poderia perder sob a forma de multa. Ou seja, se o Estado já está com problemas, em vez de se lançar uma bóia de salvação, coloca-se-lhe uma pedra ao pescoço para ver se o afogamento é mais rápido.

 

Oposição frontal

 

Por isso, não só declarámos a nossa frontal oposição a todas estas propostas como insistimos na necessidade dos responsáveis da União Europeia reconhecerem a falência das políticas neoliberais que estão a aumentar o desemprego, as desigualdades sociais, a pobreza e a provocar a recessão nos países de economias mais débeis onde as imposições comunitárias podem provocar um autêntico desastre social.

Entretanto, como também assinalámos, caíram todas as promessas de acabar com os paraísos fiscais, de taxar devidamente as transacções financeiras, de acabar com os produtos financeiros especulativos, incluindo os que envolvem a dívida soberana. O capitalismo puro e duro emerge desta crise como o «deus mercado» triunfador, e os monopólios surgem como os senhores a quem os governos prestam a sua vassalagem, seja no centro do directório europeu, seja nos seus governos vassalos, como vemos em Portugal com o Governo PS de Sócrates apoiado no PSD de Passos Coelho.

No entanto, vai continuar o debate no Parlamento Europeu de todas as propostas, incluindo as decisões do Conselho desta semana. E tudo ou quase tudo pode ainda ser rejeitado.

Por isso, é da maior importância intensificar as lutas nos diversos países. Isso poderá obrigar a maioria do Parlamento Europeu a ter em conta o descontentamento dos trabalhadores, dos micro, pequenos e médios empresários dos seus países. Já aconteceu com as tentativas de alterar a directiva sobre organização e tempo de trabalho. Aconteceu agora com a votação do meu relatório sobre a pobreza e a importância do papel do rendimento mínimo na luta contra a pobreza e a exclusão social, onde se criticavam os planos ditos de austeridade como os que estão a aplicar em Portugal. Mas a sua concretização vai depender do reforço da luta e do reforço do PCP. Até no Parlamento Europeu sentimos isso.

E repetimos. Chega de chantagens. É tempo de uma ruptura com estas políticas, para termos uma Europa de progresso social e desenvolvimento.



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