Comentário

O novo patamar da exploração

Maurício Miguel

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Os números do desemprego não param de aumentar. Oficialmente 24,5 milhões de trabalhadores estão desempregados nos 27 estados-membros da UE (quase duas vezes e meia a população portuguesa) e em Portugal um milhão e 200 mil trabalhadores não têm emprego. Com a pompa e circunstância normal nestas ocasiões, a Comissão da União Europeia anunciou na semana passada o que chamou de «medidas para uma recuperação geradora de emprego», apresentando um conjunto de medidas que, segundo ela, criarão 20 milhões de empregos em novos sectores chave como a «economia verde», os «sectores da saúde e das novas tecnologias». Mas ao contrário do que poderiam indiciar as palavras utilizadas e os números redondos, do que se trata sim é de aproveitar a crise de acumulação do grande capital da UE para elevar a um patamar superior a exploração dos trabalhadores, o que inevitavelmente não promoverá nenhum «crescimento», salvo o dos lucros do grande capital. Perante o impacto profundo da crise do capitalismo na UE e a forma como ele está a abalar os seus alicerces, a UE responde com um «ajustamento» (destruição de forças produtivas) que longe de ter como objectivo uma reorganização das condições da produção material, tendo em conta as necessidades e anseios dos trabalhadores e dos povos, a soberania nacional e a cooperação internacional numa base complementar que os garantiria, tem como objectivo a reestruturação, pela via da redução do «preço» da força de trabalho, de uma UE dependente da importação de energia e das principais matérias-primas, para a tornar competitiva enquanto bloco imperialista, no quadro de acirrada competição mundial com os EUA e as potências mundiais emergentes. É para este objectivo que concorrem as medidas agora apresentadas, que visam abrir caminho a um retrocesso maior no plano das relações de trabalho. Todos os países estarão «obrigados» a implementá-las através dos seus planos nacionais de emprego que estes deverão submeter à UE para aprovação, independentemente de terem ou não a aprovação dos seus parlamentos nacionais, dos trabalhadores e das suas organizações – o que no caso da Constituição da República Portuguesa constitui uma violação grave dos princípios e direitos nela consagrados, nomeadamente o direito ao trabalho, os direitos dos sindicatos e das comissões de trabalhadores. Visa-se criar um sistema onde as legislações sobre as relações de trabalho deixam de ser definidas pelas instituições de soberania nacionais, para serem definidas pela UE. Todo o enquadramento deixa de ter a situação em cada país e as suas necessidades, tendo a sua estrutura produtiva como referência, para passar a ter a «lei da oferta e da procura» em todos os países da UE. Os trabalhadores terão não apenas que concorrer para a venda da sua força de trabalho com outros trabalhadores no plano nacional, mas passarão a concorrer ainda mais com os trabalhadores de toda a UE, o que levará a uma redução brutal nos custos unitários do trabalho. Ver-se-ão mesmo obrigados (legalmente!) a sair do país, particularmente os trabalhadores qualificados, para suprir as «necessidades» noutros países onde o grande capital assim o exija.

Algumas das medidas agora apresentadas estão já previstas no pacto de agressão contra o povo português mas outras, sendo novas, são medidas de profundo recuo que a serem concretizadas teriam, nas condições do nosso País, um impacto gravíssimo. Entre elas encontramos o subsidiar dos patrões para empregar mais trabalhadores, ao mesmo tempo que se prevê a redução do seu contributo para a Segurança Social (taxa social única), o que constituirá uma redução significativa das receitas da Segurança Social e custos acrescidos para uma estrutura já enfraquecida. Encontramos a alteração das convenções colectivas de trabalho para a fixação dos salários com base na produtividade, para forçar a sua redução. Prevê-se aí a redução dos salários mínimos nacionais, a generalização dos bancos de horas e o recurso sistemático ao lay-off.

A contradição entre os direitos dos trabalhadores e a UE cresce a níveis inauditos perante o acentuar da crise. Só a defesa e a afirmação da soberania nacional poderá defender os trabalhadores e o povo de uma UE cada vez mais determinante para a imposição do retrocesso social, particularmente em países como Portugal, empobrecendo e destruindo direitos e procurando desarmar a sua capacidade de lutar. Não conseguirão!



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