João Frazão
Membro da Comissão Política
do Comité Central do PCP

Desenvolvimento capitalista de exploração da terra

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A agri­cul­tura e a so­be­rania ali­mentar do País estão a ser eli­mi­nadas, os pe­quenos e mé­dios agri­cul­tores estão a ser ar­rui­nados. Só nos úl­timos vinte anos de po­lí­tica de di­reita dos go­vernos do PS, PSD e CDS o n.º de ex­plo­ra­ções baixou 49% (de 600 para 300 mil), a SAU (Su­per­fície Agrí­cola Útil) baixou 8,4% (meio mi­lhão ha), mas a área média das ex­plo­ra­ções quase du­plicou (para 12 ha).

Apenas 260 ex­plo­ra­ções detêm 12% da área cul­ti­vada, mas a grande mai­oria (75,6% ou seja 230 925) tem até 5 ha, o que mostra que, com po­lí­ticas vi­radas para a mul­ti­fun­ci­o­na­li­dade da agri­cul­tura, os pe­quenos e mé­dios agri­cul­tores con­ti­nuam a ser um enorme po­ten­cial.

Nas terras do Alen­tejo re­gressa o velho do­mínio da grande ex­plo­ração de di­mensão la­ti­fun­diária, pro­pri­e­dade de poucas fa­mí­lias, forma de or­ga­ni­zação so­cial, e sis­tema de pro­dução que ex­plora a terra, não para ga­rantir a sua função so­cial – a pro­dução de ali­mentos – mas para daí re­tirar, apenas, rendas e ren­di­mentos.

Con­cen­tração da pro­pri­e­dade que en­con­trou o am­bi­ente ideal para se con­so­lidar, quer na po­lí­tica de re­cons­ti­tuição do ca­pi­ta­lismo mo­no­po­lista no nosso País, quer nos apoios da União Eu­ro­peia, com a po­lí­tica de set-a-side (sub­sí­dios para não pro­duzir); o Re­gime de Pa­ga­mento Único – sem a exi­gência de pro­duzir; com a re­cusa da mo­du­lação e do pla­fo­na­mento nos apoios, ou seja, li­mitar os sub­sí­dios aos mai­ores be­ne­fi­ciá­rios para os re­dis­tri­buir pelos de me­nores ren­di­mentos.

Por outro lado, a eli­mi­nação de mi­lhares de pe­quenos apoios; a exi­gência de in­ves­ti­mentos avul­tados nas ex­plo­ra­ções por ra­zões fito-sa­ni­tá­rias; a quebra de ren­di­mento, re­sul­tante do es­ma­ga­mento dos preços à pro­dução, do au­mento brutal dos custos dos fac­tores de pro­dução (se­mentes, pes­ti­cidas, fito-fár­macos, com­bus­tí­veis, elec­tri­ci­dade) e da ex­plo­ração mo­no­po­lista exer­cida pelas mul­ti­na­ci­o­nais da in­dús­tria e da dis­tri­buição sobre a ca­deia agro-ali­mentar, leva ao aban­dono for­çado por parte de mi­lhares de pe­quenos e mé­dios pro­du­tores. Po­lí­tica que leva a mais al­deias aban­do­nadas, a mais de­sem­prego, a mais fome, a mais mi­séria. E a mais in­cên­dios flo­res­tais, com a con­se­quente des­truição da ri­queza na­ci­onal. Re­a­li­dade para a qual con­tribui so­bre­ma­neira a po­lí­tica de ataque à posse e gestão co­mu­ni­tária dos bal­dios, num pro­cesso de es­tran­gu­la­mento desta im­por­tante re­a­li­dade.

Clube dos ricos

PS, PSD e CDS têm as­su­mido como ob­jec­tivo cen­tral da po­lí­tica de di­reita dos go­vernos a que têm dado corpo o apoio à con­cen­tração da pro­pri­e­dade e à grande agro-in­dús­tria, opção sempre jus­ti­fi­cada com a pro­moção da com­pe­ti­ti­vi­dade da agri­cul­tura na­ci­onal.

Com­pe­ti­ti­vi­dade que hoje é exi­bida no maior olival do mundo, pro­pri­e­dade da SO­VENA, esse con­glo­me­rado de oli­vais super-in­ten­sivos e novos la­gares que se vão es­pa­lhando por todo Alen­tejo e que, ex­plo­rando os solos até ao tu­tano, dei­xarão uma he­rança am­bi­ental de di­mensão ainda por ava­liar; nas es­tufas de hor­tí­colas, que ex­portam cerca de 1000 mi­lhões de euros e em­pregam, na maior pre­ca­ri­e­dade, imi­grantes sem di­reitos; nos vi­nhos pre­mi­ados in­ter­na­ci­o­nal­mente, pro­pri­e­dade de grandes em­presas, al­gumas fi­nan­ceiras, que pagam, quando pagam, uma mi­séria pelas uvas aos agri­cul­tores; nos eu­ca­lip­tais que pro­duzem to­ne­ladas de ma­deira para a in­dús­tria de papel, pro­pri­e­dade do du­o­pólio Por­tucel/​Altri, ac­tu­al­mente em­pe­nhados numa in­tensa ofen­siva para alargar as áreas de eu­ca­lipto aos bal­dios, às zonas de re­gadio, às matas pú­blicas.

Com­pe­ti­ti­vi­dade do cha­mado «clube dos ricos» – os menos de dois mil grandes la­ti­fun­diá­rios, as grandes em­presas ca­pi­ta­listas na agri­cul­tura e o grande agro-ne­gócio – que re­cebe mais ajudas pú­blicas do que os cerca de 200 mil pe­quenos e mé­dios agri­cul­tores e a pe­quena e média agro-in­dús­tria na­ci­onal. Mi­lhões e mi­lhões de euros em ajudas pú­blicas sem a obri­ga­to­ri­e­dade de pro­duzir, o que cons­titui um ver­da­deiro crime eco­nó­mico e so­cial!

En­quanto isto, au­mentam im­postos e negam apoios aos pe­quenos e mé­dios pro­du­tores de leite, de ba­tata, de ce­reais, de vinho, aos que se le­vantam de ma­dru­gada para ali­mentar o gado, para fazer as regas, para tratar da vinha ou do pomar.

Com­pe­ti­ti­vi­dade à custa da ali­e­nação ao ca­pital na­ci­onal ou es­tran­geiro, de vastas áreas das me­lhores terras de re­gadio, de Al­queva ou ou­tras; à custa da des­truição de ter­renos com a uti­li­zação de sis­temas de cul­tura super-in­ten­siva e mo­no­cul­turas que aca­barão por os es­te­ri­lizar; à custa da con­cen­tração das ex­plo­ra­ções e da pro­pri­e­dade da terra. Com­pe­ti­ti­vi­dade à custa da des­truição das pro­du­ções tra­di­ci­o­nais, de que o azeite e o vinho são dos mais evi­dentes exem­plos.

Ora, tanta falsa com­pe­ti­ti­vi­dade tem ar­ras­tado o País para uma si­tu­ação in­sus­ten­tável. O dé­fice da ba­lança agro-ali­mentar tende para quatro mil mi­lhões de euros por ano. O Go­verno do agro-ne­gócio vende agora a te­oria de Por­tugal poder atingir o equi­lí­brio da ba­lança agro-ali­mentar, mas em valor. Tal sig­ni­fica que o valor das ex­por­ta­ções do sector igua­laria o das im­por­ta­ções, equação só pos­sível so­mando as ex­por­ta­ções de pro­dutos flo­res­tais. Mas isso, ao mesmo tempo que Por­tugal con­ti­nu­aria a im­portar 60, 70, ou 80% dos prin­ci­pais bens ali­men­tares.

Uma nova Re­forma Agrária

Há dias, o prin­cipal co­veiro do apa­relho pro­du­tivo na­ci­onal, na in­dús­tria, nas pescas e na agri­cul­tura, dizia que o País tem que ul­tra­passar o es­tigma e in­vestir mais nessas áreas. No que à agri­cul­tura diz res­peito, é pos­sível pro­duzir mais, criar em­prego e ri­queza no sector. Mas para isso é in­dis­pen­sável uma rup­tura, não com es­tigmas ou pre­con­ceitos, mas com as po­lí­ticas, pelas quais foi res­pon­sável en­quanto pri­meiro-mi­nistro (é do ac­tual Pre­si­dente da Re­pú­blica que fa­lamos) e que ainda hoje chefia, pro­move e pa­tro­cina.

É in­dis­pen­sável uma po­lí­tica pa­trió­tica e de es­querda que as­suma como ob­jec­tivo cen­tral o de­sen­vol­vi­mento da pro­dução e do mundo rural, que tenha como ob­jec­tivo ga­rantir a so­be­rania e a se­gu­rança ali­men­tares. Que in­ter­venha nos custos dos fac­tores de pro­dução, im­pe­dindo o seu au­mento es­pe­cu­la­tivo; que ga­ranta es­co­a­mento e preços justos à pro­dução; que re­gule a acção da grande dis­tri­buição; que va­lo­rize a pe­quena e média agri­cul­tura; que ga­ranta, a partir do Mi­nis­tério da Agri­cul­tura, os ser­viços es­sen­ciais de apoio aos agri­cul­tores; que con­cre­tize os in­ves­ti­mentos pú­blicos ne­ces­sá­rios, no­me­a­da­mente no re­gadio; que li­berte o País da de­pen­dência cada vez maior das mul­ti­na­ci­o­nais de fi­to­fár­macos e de se­mentes, que vêm to­mando ter­reno e im­pondo as suas re­gras e o seu do­mínio; que im­peça as cul­turas para a pro­dução de agro­com­bus­tí­veis.

Po­lí­tica al­ter­na­tiva que as­suma a ne­ces­si­dade de uma nova Re­forma Agrária, com a li­qui­dação da pro­pri­e­dade la­ti­fun­diária e que en­tregue as terras a quem as queira tra­ba­lhar, va­lo­ri­zando e dig­ni­fi­cando as pro­fis­sões agrí­colas. Re­forma Agrária – exi­gência do tempo ac­tual, para ga­rantir a posse na­ci­onal dos campos e o apro­vei­ta­mento ade­quado das ca­pa­ci­dades dos solos, pre­ve­nindo, de­sig­na­da­mente, os efeitos ne­ga­tivos da ex­plo­ração in­ten­siva e a má uti­li­zação das in­fra­es­tru­turas en­tre­tanto con­se­guidas, entre as quais o Em­pre­en­di­mento de Fins Múl­ti­plos de Al­queva, sem pre­juízo do seu ade­quado apro­vei­ta­mento ener­gé­tico e tu­rís­tico, mas nunca es­que­cendo que a sua vo­cação pri­meira é a pro­dução agrí­cola.

Po­lí­tica que exige, no plano eu­ropeu, a rup­tura com as ori­en­ta­ções da PAC – Po­lí­tica Agrí­cola Comum, ga­ran­tindo uma dis­tri­buição justa dos apoios, entre países, cul­turas e agri­cul­tores, e a re­gu­lação dos mer­cados.

Po­demos pro­duzir tudo o que ne­ces­si­tamos? Pos­si­vel­mente não. Mas Por­tugal não tem de estar con­de­nado a con­sumir apenas o que os ou­tros nos queiram vender.

A vida vem mos­trando que o País tem grandes po­ten­ci­a­li­dades. Sai­bamos nós se­mear hoje a luta para amanhã co­lhermos uma po­lí­tica pa­trió­tica e de es­querda e um go­verno que a con­cre­tize.

In­ter­venção pro­fe­rida no XIX Con­gresso do PCP, re­a­li­zado em Al­mada de 30 de No­vembro a 2 de De­zembro



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