Lei dos despejos

Dramas sem resposta social

A mi­nistra As­sunção Cristas re­co­nheceu no Par­la­mento que a nova lei das rendas foi con­ce­bida so­bre­tudo para agi­lizar os des­pejos e não para di­na­mizar o mer­cado do ar­ren­da­mento. A con­fissão da mi­nistra da Agri­cul­tura, do Mar, do Am­bi­ente e do Or­de­na­mento do Ter­ri­tório ocorreu na sessão ple­nária do pas­sado dia 14 de­pois de con­fron­tada pelo de­pu­tado co­mu­nista Paulo Sá com a acu­sação de que o Go­verno criara uma «lei de­su­mana, im­pe­diosa, que ataca os ci­da­dãos mais vul­ne­rá­veis».

Com efeito, ao li­be­ra­lizar com­ple­ta­mente o mer­cado de ar­ren­da­mento e eli­minar todos os me­ca­nismos de con­trolo das rendas, a lei está a ter con­sequên­cias dra­má­ticas para muitos in­qui­linos, in­cluindo es­ta­be­le­ci­mentos co­mer­ciais, que não con­se­guem su­portar os au­mentos bru­tais pro­postos pelos se­nho­rios.

Essa foi a re­a­li­dade que Paulo Sá levou a ple­nário, pondo em re­levo o facto de serem ine­xis­tentes as res­postas so­ciais pe­rante os dramas das pes­soas. «A única res­posta so­cial que havia na an­te­rior lei – um sub­sídio de renda para os mais ca­ren­ci­ados – foi eli­mi­nada, de­mons­trando ine­qui­vo­ca­mente que este Go­verno e esta mai­oria não têm qual­quer sen­si­bi­li­dade so­cial», de­nun­ciou.

E a per­gunta con­creta for­mu­lada pelo de­pu­tado do PCP à mi­nistra foi a de saber, por exemplo, o que acon­tece a um idoso de 70 anos, com uma pensão de mi­séria de 300 euros, cuja renda já era de 60 euros, e que se atrasa oito dias no seu pa­ga­mento, uma vez, duas.., quatro vezes num ano. A res­posta deu-a ainda Paulo Sá e de forma ca­te­gó­rica: «é des­pe­jado por ser um in­cum­pridor! É posto na rua!»

O facto de este exemplo ser real e de o Go­verno não ter res­posta para estas si­tu­a­ções con­cretas, acabou por levar a mi­nistra, numa ten­ta­tiva fa­lhada de con­tornar o em­ba­raço, a afirmar que aquilo que é para o PCP «um efeito ne­ga­tivo da lei» – a agi­li­zação dos des­pejos – «não o é para o Go­verno». E con­si­derou mesmo re­sidir nessa questão a di­fe­rença prin­cipal em re­lação à lei an­te­rior, que disse ter como «um dos seus pontos crí­ticos» o que chamou de «falta de se­gu­rança ju­rí­dica para ga­rantir des­pejos», leia-se di­fi­cul­dade para os levar a cabo de uma pe­nada. As­sunção Cristas re­co­nhecia assim im­pli­ci­ta­mente que afinal o que moveu o Go­verno nunca foi di­na­mizar o mer­cado de ar­ren­da­mento e pro­teger as pes­soas mas apenas agi­lizar os des­pejos, ace­lerar o pro­cesso de ex­pulsão dos cen­tros ur­banos, fa­ci­litar o ca­minho aos grandes ne­gó­cios e à es­pe­cu­lação imo­bi­liária.


Não basta re­mendar

Na sessão ple­nária do pas­sado dia 27 o de­pu­tado co­mu­nista Paulo Sá rei­terou o es­sen­cial da po­sição do PCP quanto à lei dos des­pejos do Go­verno PSD/​CDS-PP, su­bli­nhando, no­me­a­da­mente, que esta é uma lei que põe em causa o di­reito à ha­bi­tação, fra­gi­liza os di­reitos dos in­qui­linos, pro­move os des­pejos su­má­rios e o en­cer­ra­mento de inú­meros es­ta­be­le­ci­mentos co­mer­ciais.

E voltou a lem­brar que os prin­ci­pais atin­gidos são os in­qui­linos mais idosos com con­tratos de ar­ren­da­mento an­te­ri­ores a 1990 e o pe­queno co­mércio com con­tratos an­te­ri­ores a 1995.

O as­sunto vol­tara nesse dia à agenda ple­nária pela mão do PS. Em de­bate uma pro­posta sua não de re­vo­gação da lei (como o PCP propôs em Fe­ve­reiro úl­timo) mas apenas de al­te­ração, que dei­xava inal­te­rados muitos dos seus as­pectos, in­cluindo aquele que é con­si­de­rado o mais gra­voso, o pro­ce­di­mento es­pe­cial de des­pejo. Esta omissão no di­ploma do PS (que veio a ser chum­bado pela mai­oria go­ver­na­mental) diz bem, se­gundo Paulo Sá, do «pro­fundo com­pro­me­ti­mento» deste par­tido com a po­lí­tica da troika e, neste par­ti­cular, «com a exi­gência, cons­tante do pacto de agressão, da in­tro­dução de me­ca­nismos de des­pejo ex­tra­ju­di­ciais, com o ob­jec­tivo de en­curtar o prazo de des­pejo para três meses».

O alar­ga­mento pro­posto pelo PS de 30 para 90 dias no pro­cesso dito ne­go­cial entre se­nho­rios e in­qui­linos, ainda que me­lhore o quadro ac­tual, «não vai ao cerne da questão», na pers­pec­tiva do PCP, uma vez que não al­tera o pro­fundo de­se­qui­lí­brio exis­tente «entre os di­reitos das partes, com­ple­ta­mente des­fa­vo­rável ao in­qui­lino».

Em suma, sem deixar de re­co­nhecer que na ini­ci­a­tiva do PS havia pro­postas de al­te­ração de sen­tido po­si­tivo (é ainda por exemplo o caso da que alarga o pe­ríodo de tran­sição para o novo re­gime de ar­ren­da­mento ur­bano de cinco para quinze anos), o PCP en­tende que a lei dos des­pejos pela sua na­tu­reza e con­sequên­cias só pode ter como des­tino a re­vo­gação.

 

Agri­cul­tura

Pro­blemas sem fim à vista

Para este de­bate com a mi­nistra As­sunção Cristas (pre­visto no re­gi­mento da AR e abran­gendo todas as ma­té­rias sob sua tu­tela) vi­eram também ques­tões re­la­ci­o­nadas com a agri­cul­tura.

E o que ficou à vista é que os pro­pa­gan­de­ados «re­sul­tados po­si­tivos» do Mi­nis­tério da Agri­cul­tura não re­sistem a esse teste que é o con­fronto com a re­a­li­dade. Provou-o o de­pu­tado co­mu­nista João Ramos ao trazer para pri­meiro plano, desde logo, a dí­vida do Go­verno de 12 mi­lhões de euros às or­ga­ni­za­ções de pro­du­tores pe­cuá­rios a quem foi en­tregue a res­pon­sa­bi­li­dade pelos planos de sa­ni­dade animal.

Re­plicou a mi­nistra que du­rante este ano serão re­gu­la­ri­zadas as dí­vidas re­fe­rentes a 2012, de­pois de nesse ano ter pago 4,6 mi­lhões de euros do que disse ser a «forte he­rança de dí­vida» re­ce­bida pelo seu Go­verno. Só que, en­tre­tanto, «as or­ga­ni­za­ções estão a falir e ini­bidas de ac­tuar por falta de re­cursos fi­nan­ceiros», voltou a alertar o PCP, lem­brando que esta é uma res­pon­sa­bi­li­dade do Es­tado e que «a fa­lência do sis­tema de sa­ni­dade animal tem grandes im­pli­ca­ções eco­nó­micas, in­cluindo nas ex­por­ta­ções e na saúde pú­blica».

João Ramos abordou, por outro lado, a questão da fi­tos­sa­ni­dade, su­bli­nhando que neste plano «a in­cer­teza é total», apesar de As­sunção Cristas ter dito que os «planos existem e estão a ser exe­cu­tados».

A ver­dade é que se des­co­nhece «os va­lores dis­po­ní­veis em or­ça­mento do Mi­nis­tério para esta ac­ti­vi­dade», se­gundo o de­pu­tado do PCP, que in­sistiu que há ra­zões para pre­o­cu­pação face a pro­blemas como o ne­má­todo do pi­nheiro e a fla­ves­cência dou­rada da vinha, que podem ter fortes im­pactos eco­nó­micos.

Já no que diz res­peito à Casa do Douro, João Ramos voltou a alertar para a «falta de so­lu­ções» que a atinge, res­pon­sa­bi­li­zando o Go­verno por esta in­ca­pa­ci­dade que afecta a vida de 40 mil pe­quenos e mé­dios vi­ti­vi­ni­cul­tores.




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