III Sessão: O processo de transformação social, o Partido e as massas

Organizar e lutar

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Sobre os temas de­ba­tidos na ter­ceira sessão do Con­gresso – in­ti­tu­lada «O pro­cesso de trans­for­mação so­cial, o Par­tido e as massas», com mo­de­ração de Mar­ga­rida Bo­telho, da Co­missão Po­lí­tica –, Álvaro Cu­nhal deixou uma im­por­tante re­flexão (e prá­tica) que faz dele, in­con­tes­ta­vel­mente, um dos grandes pen­sa­dores e di­ri­gentes co­mu­nistas à es­cala in­ter­na­ci­onal. Das suas con­tri­bui­ções acerca da na­tu­reza, iden­ti­dade e ca­rac­te­rís­ticas do Par­tido Co­mu­nista, da sua po­lí­tica de ali­anças e do ca­rácter es­tra­té­gico da luta de massas fa­laram, res­pec­ti­va­mente, Fran­cisco Lopes (da Co­missão Po­lí­tica e do Se­cre­ta­riado), Gra­ciete Cruz (di­ri­gente da CGTP-IN e membro do CC) e Amé­rico Nunes, an­tigo di­ri­gente da In­ter­sin­dical.

Abor­dando o «imenso le­gado de Álvaro Cu­nhal sobre o Par­tido», Fran­cisco Lopes des­tacou, em pri­meiro lugar, a sua adesão ao PCP em 1931 e a «opção pelos ex­plo­rados, pela eman­ci­pação da classe ope­rária e de todos os tra­ba­lha­dores, pela causa do fim da ex­plo­ração do homem pelo homem» que lhe está sub­ja­cente. A esta opção, acres­centou, se­guiu-se a «di­mensão da sua par­ti­ci­pação, o con­tri­buto de­ci­sivo que deu para a cons­trução do Par­tido».

Re­veste-se de par­ti­cular im­por­tância – disse – a con­tri­buição que Álvaro Cu­nhal deu para a «de­fi­nição das ca­rac­te­rís­ticas e ta­refas do Par­tido face às exi­gên­cias das con­di­ções em que tinha que ac­tuar»: nos anos 40, no pro­cesso de re­or­ga­ni­zação do PCP; nos anos 60, na cor­recção da ten­dência anarco-li­beral no tra­balho de di­recção e no con­teúdo dos Es­ta­tutos apro­vados no VI Con­gresso (de 1965) onde se res­pondia à si­tu­ação de clan­des­ti­ni­dade e se apon­tava já a con­fi­gu­ração do que seria o fun­ci­o­na­mento do Par­tido sem esse cons­tran­gi­mento; no pro­cesso re­vo­lu­ci­o­nário, trans­for­mando o PCP num grande par­tido de massas «não dei­xando de ser um Par­tido de qua­dros». Os con­ceitos de «tra­balho co­lec­tivo» e de «grande co­lec­tivo par­ti­dário» contam-se também entre as re­fle­xões mais pro­fí­cuas de Álvaro Cu­nhal no que à de­fi­nição do Par­tido Co­mu­nista diz res­peito.

Ali­anças es­tra­té­gicas e tác­ticas

Gra­ciete Cruz, por seu lado, va­lo­rizou a ca­pa­ci­dade de­mons­trada pelo PCP ao longo da sua exis­tência para «apontar ca­mi­nhos, cor­rigir so­lu­ções e en­con­trar res­postas novas, ade­quadas a cada etapa his­tó­rica, no pro­cesso de trans­for­mação re­vo­lu­ci­o­nária da so­ci­e­dade». Álvaro Cu­nhal deu um con­tri­buto «no­tável e fun­da­mental» para que assim fosse.

No que diz res­peito ao sis­tema de ali­anças so­ciais e po­lí­ticas do par­tido da classe ope­rária e de todos os tra­ba­lha­dores – tema da sua co­mu­ni­cação –, Gra­ciete Cruz as­si­nalou que, de­cor­rendo do exame da re­a­li­dade con­creta, ela com­porta «ali­anças es­tra­té­gicas, tendo em vista a edi­fi­cação do so­ci­a­lismo, e ali­anças tác­ticas, ade­quadas a uma dada etapa ou si­tu­ação con­creta da vida na­ci­onal». Ci­tando o pró­prio Álvaro Cu­nhal (no pre­fácio de 1997 à re­e­dição do re­la­tório apre­sen­tado ao IV Con­gresso), acres­centou que «as ali­anças “es­tra­té­gicas” não devem ser in­vo­cadas como im­pe­di­tivas de ali­anças “tác­ticas”, mas estas em ne­nhum caso podem pôr em causa as ali­anças “es­tra­té­gicas” ou, ainda menos, pre­ten­derem sê-lo». Gra­ciete Cruz acres­cen­taria ainda que as ali­anças de um par­tido re­vo­lu­ci­o­nário, tal como o seu Pro­grama, não podem ser imu­tá­veis.

Olhando para a re­a­li­dade ac­tual, a di­ri­gente da CGTP-IN su­bli­nhou as «pro­fundas al­te­ra­ções» ve­ri­fi­cadas na com­po­sição so­cial da so­ci­e­dade, ga­ran­tindo, porém, que elas não al­teram o «papel de van­guarda da classe ope­rária nem o sis­tema de ali­anças bá­sicas do pro­le­ta­riado». A im­por­tância do PCP mantém-se «in­dis­pen­sável à re­a­li­zação da al­ter­na­tiva po­lí­tica ne­ces­sária», con­cluiu.

Or­ga­nizar, or­ga­nizar, or­ga­nizar

O an­tigo di­ri­gente da Inter, Amé­rico Nunes, sa­li­entou o papel de­ci­sivo da luta de massas para as pro­fundas trans­for­ma­ções so­ciais, tanto no pro­cesso re­vo­lu­ci­o­nário de Abril como em avanços pro­gres­sistas fu­turos. E, re­me­tendo para o pen­sa­mento de Álvaro Cu­nhal, ex­presso em «A Re­vo­lução Por­tu­guesa, O Pas­sado e o Fu­turo», afirmou que «a acção de massas, a in­ter­venção das massas em todos os as­pectos da de­mo­cra­ti­zação po­lí­tica, eco­nó­mica, so­cial e cul­tural da vida por­tu­guesa, cons­titui o pró­prio motor do pro­cesso re­vo­lu­ci­o­nário». Se foram as massas em mo­vi­mento que, ali­adas aos mi­li­tares re­vo­lu­ci­o­ná­rios, trans­for­maram ra­di­cal­mente as es­tru­turas do ca­pi­ta­lismo mo­no­po­listas pré-exis­tentes, se­riam também elas a as­se­gurar a «con­so­li­dação e o pros­se­gui­mento da vida de­mo­crá­tica».

Im­por­tantes e ac­tuais são, também, os en­si­na­mentos le­gados por Álvaro Cu­nhal sobre a or­ga­ni­zação e di­recção das ac­ções de massas, acres­centou Amé­rico Nunes. Sempre li­gado à re­a­li­dade con­creta de cada acção de luta ou mo­mento his­tó­rico, Álvaro Cu­nhal sa­li­en­tava a im­por­tância de atentar sempre à «evo­lução dos acon­te­ci­mentos, de forma a não sermos sur­pre­en­didos pelo rá­pido evo­luir da si­tu­ação, de forma a nunca irmos de­ma­siado atrás nem de­ma­siado à frente das massas».

O orador lem­brou também a im­por­tância que o his­tó­rico di­ri­gente co­mu­nista deu sempre, ao longo da sua vida, à or­ga­ni­zação, sem a qual «não há vi­tória pos­sível». Sem ela, afir­mava Álvaro Cu­nhal, «podem fazer-se “coisas”. Mas não se podem lançar grandes lutas, dar-lhes con­ti­nui­dade, elevá-las a um nível su­pe­rior». 




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