Sessão pública evoca pensamento e acção de Álvaro Cunhal

Soberania é questão de classe

Na sessão pública do passado domingo, que teve como lema «Álvaro Cunhal, a soberania e independência nacionais», falou-se das várias formas que assume a submissão do País ao estrangeiro e dos caminhos para a libertação.

A defesa da soberania é um eixo central da política do PCP

 

Tal como em anteriores realizações em torno das comemorações do centenário do nascimento de Álvaro Cunhal, também na sessão de domingo, na qual participaram mais de 150 pessoas, as atenções não estiveram voltadas para o passado, para a história mais ou menos distante do País, do Partido e do povo. Pelo contrário, partiu-se do passado e das análises que Álvaro Cunhal deixou, para projectar a luta do presente e os caminhos do futuro.

A primeira intervenção de fundo esteve a cargo de Vasco Cardoso, da Comissão Política, que incidiu a sua reflexão na tão decisiva quanto actual questão da defesa e valorização da produção nacional. Partindo da afirmação de Álvaro Cunhal de que «em vez da política de desastre do governo actual de que resulta que se produz cada vez menos e se deve cada vez mais, é imperiosa a adopção de uma política de que resulte produzir-se cada vez mais e dever-se cada vez menos», Vasco Cardoso identificou na primeira destas opções a causa da dependência externa e da submissão do País ao estrangeiro, assim como do desemprego, da pobreza e do atraso generalizado das suas forças produtivas.

Para este dirigente do PCP, «sendo certo que a defesa e desenvolvimento da produção nacional não assegurariam, por si só, a resposta a todos e cada um dos problemas que hoje estão presentes na sociedade portuguesa, não é menos verdade que não há nenhuma via para o desenvolvimento do País, não há nenhum caminho que assegure a nossa independência e o futuro de Portugal que não tenha no centro das opções políticas o aumento da produção nacional». Esta é, sustentou o membro da Comissão Política, «uma questão de fundo, uma questão de sempre e é também uma questão de classe», tendo em conta que o desenvolvimento do capitalismo levou a que os interesses nacionais se fossem identificando de forma crescente com os interesses da classe operária e dos trabalhadores.

Abril foi expressão de soberania

Albano Nunes, do Secretariado, abordou a relação entre a revolução portuguesa e a independência nacional, lembrando que no Programa do Partido aprovado em 1965 esta questão ocupa um lugar «particularmente destacado». Aliás, um dos oito pontos do Programa, o 6.º, intitulava-se precisamente «Libertar Portugal do imperialismo», surgindo em profunda ligação com os dois seguintes: «Reconhecer e assegurar aos povos das colónias portuguesas o direito à imediata independência» e «Seguir uma política de Paz e amizade com todos os povos».

Albano Nunes salientou que a importância dada pelo PCP à questão nacional era, e é, de tal ordem que a própria definição da etapa da revolução (definida em meados dos anos 60 como uma Revolução Democrática e Nacional) a consagrava. Era o próprio Álvaro Cunhal que escrevia que a instauração de um regime democrático em Portugal exigia a «libertação do domínio imperialista». Hoje, pese embora as evidentes diferenças, a questão coloca-se em moldes semelhantes.

Caracterizando a Revolução de Abril como uma «revolução popular de conteúdo antimonopolista e anti-imperialista, com um profundo sentido nacional», Albano Nunes considerou-a como uma «extraordinária afirmação da soberania do povo português». Da mesma maneira que a participação do PCP no governo foi, nas palavras de Álvaro Cunhal lembradas pelo membro do Secretariado, «uma das mais vigorosas manifestações da independência nacional da Revolução Portuguesa», desferindo um forte golpe na «doutrina do “status quo”». Abril provou que «mesmo num país “ocidental”, membro da OCDE e da NATO (…) era possível liquidar o capitalismo monopolista de Estado e enveredar pelo caminho do socialismo».

O «superestado» capitalista

Ao falar-se de submissão do País a interesses externos, a integração de Portugal na União Europeia é assunto obrigatório. Disso falou, na sessão de domingo, o membro do Comité Central e deputado no Parlamento Europeu, João Ferreira.

Lembrando a concepção de Álvaro Cunhal de que a União Europeia representava a «evolução para um capitalismo multiestadual», realçou que os monopólios transnacionais europeus necessitam, hoje, do «seu superestado europeu», contando com ele para «defender os seus interesses, a sua pulsão imperial, as suas taxas de lucro». Foi neste contexto, lembrou o eurodeputado, que a UE «desenvolveu e aprofunda as suas três facetas – neoliberal, federalista e militarista – necessárias que são à concretização dos desígnios dos seus monopólios».

Para João Ferreira, se alguns elementos da caracterização do capitalismo monopolista de Estado adquirem «expressão reforçada a um nível supranacional», tal não apaga a existência de «tensões, contradições e divergências» entre monopólios transnacionais de origens nacionais diversas, que se estendem aos respectivos estados que defendem os seus interesses. Por mais que essas tensões e contradições existam, e possam vir a agravar-se, o que continua a prevalecer é a «concertação, em prol da necessidade, mais premente, de salvaguardar o domínio de classe do capital», salientou.

Avaliando o processo de centralização do poder político e económico na União Europeia, João Ferreira denunciou que ele envolve um «violento e perigoso ataque à soberania dos povos», que se constitui como uma «séria ameaça à própria democracia, mesmo no aspecto meramente formal». As tentativas de «submissão nacional» em curso na UE são, igualmente, formas de opressão de classe. Do que se trata, concluiu, é de «privar os povos de instrumentos fundamentais para a determinação do seu colectivo devir».

Como o PCP consagra no seu Programa, a ruptura com o processo de integração capitalista europeu é essencial, sendo para tal necessária a alteração da correlação de forças em cada país, favorável aos trabalhadores e aos povos.

Diferentes faces da submissão

Forças Armadas, agricultura, ciência e tecnologia. Estes foram apenas alguns dos temas, intimamente relacionados com a questão da soberania e da independência nacionais, abordados pelos oradores da sessão pública. Todos eles revelaram algumas das formas concretas que assume a submissão do País aos interesses e agendas dos monopólios transnacionais e das maiores potências capitalistas do Mundo.

António Rodrigues, do Comité Central, denunciou as tentativas em curso para transformar as Forças Armadas portuguesas em forças ao serviço da NATO e de outras forças multinacionais e não, como estabelece a Constituição, numa garantia da defesa da integridade territorial contra qualquer ameaça ou agressão externa. António Rodrigues lembrou ainda as amarras do País no quadro da NATO, remetendo para o Programa do PCP, que pugna pela dissolução desta estrutura militar, «objectivo crucial para a afirmação da soberania nacional e para a paz mundial».

Por seu lado, João Vieira, dirigente da Confederação Nacional da Agricultura (CNA), referiu-se à necessária soberania alimentar, posta em causa num grande número de países pela liberalização do mercado agrícola. Já o investigador Luís Alfaro alertou para as enormes carências do País ao nível da aposta na investigação e desenvolvimento, o que o torna mais vulnerável às crises cíclicas do capitalismo. Na sua opinião, a aposta deveria ser feita na «produção de ciência básica e no desenvolvimento tecnológico» e não, como actualmente sucede, na «investigação aplicada e dirigida a rápidos retornos».

Intervieram ainda o activista da Paz Carlos Almeida, o militar de Abril Baptista Alves, a dirigente da JCP Ana Sofia Correia, o historiador Pedro Ventura, a actriz Maria do Céu Guerra e o antigo dirigente do PCP Vítor Dias. 



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Uma história que conta outras histórias

A exposição evocativa do centenário de Álvaro Cunhal intitulada «Vida, Pensamento e Luta: Exemplo que se Projecta na Actualidade e no Futuro» foi inaugurada no sábado à tarde no Centro de Congressos da Alfândega do Porto, onde estará patente até ao próximo dia 15. Depois de, em Lisboa, a mostra ter sido visitada por mais de 20 mil pessoas, agora é a vez dos trabalhadores, dos democratas e patriotas do Norte do País testemunharem o exemplo de revolucionário abnegado, de intelectual sólido e honesto, de artista talentoso que inegavelmente foi Álvaro Cunhal.

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