Provocação

Jorge Cadima

O ca­pi­ta­lismo é capaz dos mai­ores crimes

Uma es­cla­re­ce­dora con­versa te­le­fó­nica foi pra­ti­ca­mente si­len­ciada na co­mu­ni­cação so­cial do re­gime, facto que é igual­mente es­cla­re­cedor. No início de Março foi co­lo­cada no You Tube a gra­vação dum te­le­fo­nema entre o mi­nistro dos Ne­gó­cios Es­tran­geiros da Es­tónia, Urmas Paet, e a Alta Re­pre­sen­tante da UE para a Po­lí­tica Ex­terna e de Se­gu­rança, Cathe­rine Ashton, no res­caldo do golpe de Es­tado que em Kiev der­rubou o pre­si­dente eleito da Ucrânia, Ia­nu­ko­vitch. Sobre a au­ten­ti­ci­dade da gra­vação não restam dú­vidas: foi con­fir­mada pelo pró­prio MNE es­tónio. No te­le­fo­nema, Paet re­lata à sra. Ashton o que lhe fora dito por Olga Bo­go­mo­lets, que che­fiava os apoios mé­dicos aos ma­ni­fes­tantes da Praça (Maidan) da In­de­pen­dência em Kiev, onde de­zenas de pes­soas foram mortas por franco-ati­ra­dores. Se­gundo o MNE da Es­tónia «o per­tu­bador é que a Olga disse-me que todos os in­dí­cios apontam para o facto de que as pes­soas que foram mortas pelos franco-ati­ra­dores – dos dois lados, po­lí­cias e ma­ni­fes­tantes – foram ví­timas dos mesmos franco-ati­ra­dores, que ma­tavam pes­soas dos dois lados. Ela mos­trou-me fotos, e afirmou que en­quanto mé­dica podia afirmar que as mortes ti­nham a mesma as­si­na­tura, que foram usados os mesmos tipos de balas, e que é re­al­mente per­tur­bador que agora a nova co­li­gação não queira in­ves­tigar o que na ver­dade acon­teceu». «Existe hoje», con­tinua o mi­nistro es­tónio Paet, «uma con­vicção cada vez mais forte de que por de­trás dos franco-ati­ra­dores não es­tava Ia­nu­ko­vitch, mas sim al­guém da nova co­li­gação».

As afir­ma­ções do mi­nistro es­tónio são claras. En­quanto toda a co­mu­ni­cação so­cial «de­mo­crá­tica» pro­cura le­gi­timar o golpe de Es­tado con­du­zido pelas tropas de choque fas­cistas nas ruas de Kiev, acu­sando o pre­si­dente Ia­nu­co­vitch de ter as mãos man­chadas de sangue, um mi­nistro da UE, recém-che­gado de Kiev con­tava à Sra. Ashton que mesmo na Maidan havia outra «con­vicção cada vez mais forte»: o mas­sacre era obra de pro­vo­ca­dores. Mas a sra. Ashton re­agiu como a co­mu­ni­cação so­cial: as­so­bi­ando para o lado. Não foi pela via da UE que se soube do re­lato do MNE da Es­tónia. E quando a co­mu­ni­cação so­cial russa chamou a atenção para a gra­vação, eis como o órgão ofi­cioso da UE re­agiu: «Ucrânia: Es­tónia nega no­tícia di­vul­gada em ‘me­dia’ russos» (Eu­ro­news, 6.3.14). É pre­ciso ler o texto da no­tícia para saber que «a Es­tónia con­firma a au­ten­ti­ci­dade da con­versa te­le­fó­nica», des­men­tindo o pró­prio tí­tulo. A cons­pi­ração de si­lêncio sobre factos que ques­ti­onam toda a «his­tória ofi­cial», num caso cujas con­sequên­cias podem vir a con­duzir a Hu­ma­ni­dade para a ca­tás­trofe, diz muito sobre a UE e a sua na­tu­reza.

Pro­vo­cação aná­loga está do­cu­men­tada em ima­gens dos dias que an­te­ce­deram o golpe de Es­tado na Ve­ne­zuela, em 2002: ati­ra­dores da opo­sição ma­taram a tiro ma­ni­fes­tantes anti-Chávez para logo de se­guida acusar o re­gime de re­pressão. Há in­dí­cios fortes de que o mesmo se passou na Li­tuânia em 1991, na Bósnia, na Líbia, na Síria e nou­tros países alvos do im­pe­ri­a­lismo. Está ofi­ci­al­mente do­cu­men­tado que em 1962 as mais altas che­fias mi­li­tares dos EUA en­vi­aram ao Pre­si­dente uma lista de «pre­textos que possam jus­ti­ficar uma in­ter­venção mi­litar em Cuba» (a «Ope­ração Northwoods») onde, entre ou­tras pro­vo­ca­ções sór­didas, se pro­punha que os EUA de­sen­ca­de­assem «uma cam­panha de terror […] na zona de Miami, nou­tras ci­dades da Flo­rida ou até em Washington […] di­ri­gida contra re­fu­gi­ados cu­banos que pro­curam abrigo nos Es­tados Unidos» (Avante, 28.12.01). A pro­vo­cação tem his­to­rial an­tigo. E a men­tira be­li­cista também. Para os cír­culos di­ri­gentes do im­pe­ri­a­lismo, mesmo a sua tropa de choque é carne para ca­nhão.

É dos úl­timos dias a di­vul­gação no You­Tube doutra con­versa te­le­fó­nica ex­plo­siva, entre o MNE turco e o chefe dos ser­viços se­cretos desse país, que su­gere criar um casus belli com a Síria, através dum falso ataque com mís­seis contra Tur­quia. A Tur­quia é um país da NATO. Uma even­tual guerra aberta entre os dois países po­deria con­duzir à in­ter­venção mi­litar NATO contra a Síria.

A re­a­li­dade his­tó­rica (dis­tante e re­cente) com­prova de forma brutal que o ca­pi­ta­lismo é capaz dos mai­ores crimes, das mai­ores men­tiras e das mai­ores pro­vo­ca­ções, no seu afã de do­minar os povos. Não há areia que chegue para fazer como a aves­truz.




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