Cavalo de Troi(k)a

Jorge Cordeiro

A en­tre­vista de Durão Bar­roso, em jeito de ba­lanço como pre­si­dente da Co­missão Eu­ro­peia, fi­cará guar­dada como exem­plar exer­cício de des­fa­çatez, só ao al­cance da­queles que, na pe­quenez de es­pí­rito que car­regam, se sentem im­pul­si­o­nados pela re­la­tiva im­pu­ni­dade que os cargos dou­rados que exercem lhes fa­cultam. Saído da vida po­lí­tica na­ci­onal pela porta pe­quena da de­serção para logo en­trar pela ja­nela dou­rada do ac­tual cargo, Durão sairá dali como en­trou: as­so­ciado, pelo que cá fez e lá am­pliou, a um per­curso de com­pro­me­ti­mento da so­be­rania na­ci­onal, de venda do País ao es­tran­geiro e de em­po­bre­ci­mento da vida de mi­lhões de por­tu­gueses.

Será pois di­fícil, sem aquele sen­ti­mento que na­ve­gará entre um misto de in­cre­du­li­dade e de re­pulsa, ouvir da boca de Durão não só que «aquilo que mais o magoa» é afir­marem que ele é da «troika», como também que «o que emo­ci­o­nal­mente mais o marcou foi o res­gate de Por­tugal». Pasme-se! Aquele que é um dos braços ar­mados do pro­cesso de in­ge­rência que a pre­texto da «as­sis­tência fi­nan­ceira» viu nela um ins­tru­mento de ex­torsão dos re­cursos na­ci­o­nais e de in­cen­tivo à ma­tilha de cre­dores (em par­ti­cular alta fi­nança na­ci­onal e trans­na­ci­onal); aquele que par­ti­cipou no es­tender da teia de do­mi­nação po­lí­tica e eco­nó­mica em que am­bi­ciona en­redar o País atre­lado à de­pen­dência; aquele que, nessa mesma en­tre­vista, con­fessa im­pli­ci­ta­mente a sua von­tade de per­pe­tuar em Por­tugal a ex­plo­ração e o em­po­bre­ci­mento – vem agora, ci­ni­ca­mente, negar a trama que sempre o fez mover. Res­tará, em jeito de com­pen­sação, re­gistar aquela réstia de uti­li­dade de que da es­for­çada en­tre­vista so­brou: aquela sagaz ob­ser­vação, ins­pi­rado se­gu­ra­mente no en­ter­ne­cedor «por­reiro, pá» que uniu Durão e Só­crates no fa­mi­ge­rado Tra­tado de Lisboa, sobre a sua am­bição de ver um go­verno unindo PS, PSD e talvez CDS para «levar por di­ante» a obra que abraçou. Me­didas as dis­tân­cias his­tó­ricas, as di­fe­renças de época e as al­te­ração de pro­ta­go­nistas, sempre se po­deria dizer que nesta his­tória dos dias de hoje, que se po­deria de­finir como a de ca­valo de troika, o que é em subs­tância di­fe­rente dos dias de então é que, se em Tróia os troi­anos me­teram o dito equídeo sem saber o que lá dentro es­tava, aqui não se foi ao en­gano.




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