Censura do povo fez-se ouvir no Parlamento

Verdade e coerência

Em vá­rias fases do de­bate foi no­tória a guer­rilha entre PSD e PS, com o pri­meiro a tentar tirar par­tido das in­co­e­rên­cias e am­bi­gui­dades do se­gundo.

«Di­rimam os con­flitos, re­solvam lá isso mas não per­turbem a nossa moção de cen­sura des­vi­ando-se do que é fun­da­mental», instou Je­ró­nimo de Sousa, di­ri­gindo-se a José Matos Cor­reia (PSD) e a José Jun­queiro (PS) que o ha­viam ques­ti­o­nado na sequência da in­ter­venção com que abriu o de­bate.

Re­cu­sando que tenha uma con­cepção da su­pe­ri­o­ri­dade moral em re­lação a ou­tras forças po­lí­ticas, o líder co­mu­nista afirmou que o PCP luta – e muito se honra por isso – é por uma «po­lí­tica de ver­dade, de co­e­rência, e não por tentar vender gato por lebre como tem feito o Go­verno ao longo destes três anos».

Res­pondia ao de­pu­tado do PSD que vira no seu dis­curso uma «versão light da moção de cen­sura» e acu­sara o PCP de «querer dar li­ções de moral e iludir os por­tu­gueses».

«Iludir? Quem é que dizia que era pre­ciso sa­cri­fí­cios, aus­te­ri­dade, mas que os por­tu­gueses des­can­sassem que os cortes nos sa­lá­rios, nas pen­sões e re­formas, os cortes nos di­reitos se­riam apenas me­didas tem­po­rá­rias?», in­quiriu o Se­cre­tário-geral do PCP, antes de lem­brar que foi o Go­verno que ainda re­cen­te­mente veio afirmar que aquilo que era tem­po­rário passa a de­fi­ni­tivo, e o que era ex­tra­or­di­nário passa a ser or­di­nário, numa de­mons­tração de que en­ga­naram os por­tu­gueses para tentar impor essa po­lí­tica de aus­te­ri­dade e sa­cri­fí­cios».

Je­ró­nimo de Sousa não deixou ainda de ex­pressar a sua per­ple­xi­dade pe­rante o que con­si­derou ser a ten­ta­tiva do de­pu­tado la­ranja de «es­conder essa ver­dade in­con­tor­nável, por muitas voltas e dis­curso de pro­pa­ganda, que é a de pas­sados três anos o nosso País estar pior, com uma eco­nomia que con­tinua em re­cessão, com um de­sem­prego brutal, 470 mil postos de tra­balho li­qui­dados». E acusou o Go­verno e a mai­oria de pe­rante esta re­a­li­dade, no­me­a­da­mente pe­rante a si­tu­ação dra­má­tica da­queles que vivem o in­for­túnio do de­sem­prego, tra­tarem isto «por cima da burra, como se não ti­vesse ne­nhuma im­por­tância».

Sem tabus

Sem res­posta do líder do PCP não fi­caram igual­mente as ques­tões co­lo­cadas pelos de­pu­tados do PSD e PS re­la­ti­va­mente ao Tra­tado Or­ça­mental e ao euro. Jun­queiro, em par­ti­cular, de­pois de se in­ter­rogar sobre as po­si­ções do PCP nesta ma­téria, rei­te­rara o «total de­sa­cordo» do PS com a saída do euro e quanto a qual­quer «na­ci­o­na­li­zação», afir­mando-se ainda de­fensor acér­rimo do «cum­pri­mento da dí­vida». Quis saber em con­creto quais as na­ci­o­na­li­za­ções de­fen­didas pelo PCP, de­pois de ter feito a es­pan­tosa afir­mação de que as le­vadas a cabo a se­guir à re­vo­lução do 25 de Abril foram res­pon­sá­veis pela «des­truição do te­cido pro­du­tivo».

«Não pro­curem sim­pli­ficar uma coisa que é com­plexa», nem trans­formar em «tabu aquilo que do ponto de vista do PCP é um con­di­ci­o­na­mento ao nosso de­sen­vol­vi­mento eco­nó­mico so­be­rano», su­bli­nhou Je­ró­nimo de Sousa, alu­dindo à questão do euro, ma­téria que em sua opi­nião «deve ser dis­cu­tida de forma de­sas­som­brada e com a par­ti­ci­pação do povo».

«Sim ou não temos di­reito ao cres­ci­mento eco­nó­mico so­be­rano? Se sim, então temos o di­reito de ve­ri­ficar os con­di­ci­o­na­lismos que nos são im­postos para esse cres­ci­mento e de­sen­vol­vi­mento. Ou seja, saber se o euro é ou não um «con­di­ci­o­na­lismo, um obs­tá­culo a essa pers­pec­tiva que temos de de­sen­vol­vi­mento so­be­rano», sin­te­tizou o di­ri­gente co­mu­nista.

La­bi­rintos do PS

Je­ró­nimo de Sousa não es­condeu, por outro lado, a sua es­tu­pe­facção pe­rante as pa­la­vras de José Jun­queiro. E lem­brou que na Cons­ti­tuinte o PS era um de­fensor das na­ci­o­na­li­za­ções e até o PSD, em termos de texto cons­ti­tu­ci­onal e de pro­posta de­fendia as na­ci­o­na­li­za­ções.

E de­volveu a questão ao de­pu­tado do PS, in­da­gando se este está ou não de acordo com a pri­va­ti­zação dos CTT, da EDP, da Cimpor, da EGF, da­quilo que são ins­tru­mentos fun­da­men­tais para o nosso de­sen­vol­vi­mento e que estão a ser pri­va­ti­zados.

«Este é que é o pro­blema», en­fa­tizou, es­cla­re­cendo que o PCP está em de­sa­cordo com essas pri­va­ti­za­ções, à luz do texto cons­ti­tu­ci­onal e à luz do in­te­resse na­ci­onal.

Mas não se ficou por aqui e in­quiriu se acaso o PS quer fazer crer aos por­tu­gueses que, ali­e­nando o que temos de me­lhor do pa­tri­mónio pú­blico em­pre­sa­rial, ala­vancas fun­da­men­tais para o nosso cres­ci­mento e de­sen­vol­vi­mento, isso é me­lhor para o País.

«Afinal o PS, que as­sumiu e propôs as na­ci­o­na­li­za­ções, pas­sados tantos anos, hoje, ques­tiona-as e é contra elas?», foi a per­gunta dei­xada por Je­ró­nimo de Sousa, que não ob­teve res­posta. E por isso con­cluiu que o PS, no es­sen­cial, o que está a dizer, com algum custo, é que está de acordo com a po­lí­tica de pri­va­ti­za­ções exe­cu­tada por este Go­verno.




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