Jerónimo de Sousa no debate da moção de censura

«É o Governo que põe em causa o futuro»

(...)

São hoje mais e mais fortes os mo­tivos para que seja con­si­de­rada como a mais ne­ces­sária e de­mo­crá­tica so­lução para dar uma outra res­posta aos graves pro­blemas que o País en­frenta – a dis­so­lução da As­sem­bleia da Re­pú­blica e a con­vo­cação de elei­ções an­te­ci­padas. (…)

Há muito que se tornou evi­dente que o ac­tual Go­verno está iso­lado po­lí­tica e so­ci­al­mente pela luta dos tra­ba­lha­dores e do povo e segue com uma po­lí­tica ao ar­repio da von­tade po­pular, num ma­ni­festo des­prezo pelos seus in­te­resses e pelo País. (…)

Há muito que o Go­verno tinha per­dido a sua le­gi­ti­mi­dade po­lí­tica, pela rup­tura com os seus com­pro­missos elei­to­rais e, par­ti­cu­lar­mente por uma prá­tica go­ver­na­tiva em obs­ti­nado e rei­te­rado con­fronto com a Cons­ti­tuição da Re­pú­blica Por­tu­guesa. Hoje soma-se a ile­gi­ti­mi­dade de­mo­crá­tica que re­sulta da drás­tica di­mi­nuição da sua base elei­toral, bem pa­tente na pro­funda der­rota que o povo por­tu­guês in­fligiu à mai­oria que su­porta o Go­verno.

A cla­mo­rosa der­rota so­frida por PSD e CDS-PP nas elei­ções para o Par­la­mento Eu­ropeu do pas­sado dia 25 de Maio – o pior re­sul­tado desde 1975 – re­pre­senta uma po­de­rosa ma­ni­fes­tação de von­tade do povo por­tu­guês em in­ter­romper este ca­minho de de­sastre e não há en­ce­nação pró­pria ou alheia que possa dis­farçar tal der­rota e tal facto.

Uma se­vera der­rota, pe­rante a qual a As­sem­bleia da Re­pú­blica não pode per­ma­necer alheia, porque ela de­monstra com total cla­reza uma ampla cen­sura po­pular a este Go­verno e à sua po­lí­tica. Uma cen­sura a que esta ini­ci­a­tiva do PCP que hoje de­ba­temos pre­tende dar tra­dução ins­ti­tu­ci­onal.

Ba­lanço negro

Uma cen­sura a um Go­verno e a uma po­lí­tica de ca­tás­trofe eco­nó­mica e so­cial que fazem do pe­ríodo de vi­gência do XIX Go­verno Cons­ti­tu­ci­onal o tempo mais negro da vida de­mo­crá­tica no nosso País.

Isso é bem vi­sível no rasto de vi­o­lência e drama até hoje dei­xado na vida dos por­tu­gueses, na sua acção des­trui­dora de vidas e re­cursos. (...)

Um rasto de vi­o­lência, des­truição e drama que se ex­pressa numa ga­lo­pante ani­qui­lação do te­cido pro­du­tivo que con­duziu mi­lhares de em­presas à fa­lência, quase 100 mil; no de­sem­prego brutal e mas­sivo, mais de 670 mil de­sem­pre­gados e 470 mil em­pregos des­truídos nestes úl­timos três anos; na emi­gração diária de mi­lhares de por­tu­gueses, mais de 200 mil neste pe­ríodo; no au­mento da ex­plo­ração do tra­balho; num ace­le­rado pro­cesso de em­po­bre­ci­mento de mi­lhões de por­tu­gueses; no alas­tra­mento da po­breza, mais 600 mil novos po­bres; a vi­o­lação dos di­reitos cons­ti­tu­ci­o­nais mais ele­men­tares, seja nas leis de tra­balho, seja na ga­rantia do di­reito à saúde, à se­gu­rança so­cial e à edu­cação. (...)

Por­tugal é hoje in­ques­ti­o­na­vel­mente, ao con­trário do que afirma a pro­pa­ganda do Go­verno, um país mais frágil, mais pobre, mais de­pen­dente e também mais de­si­gual e in­justo e pior fi­cará a manter-se este Go­verno e a sua po­lí­tica.

É esta a ver­da­deira si­tu­ação do País e não a mis­ti­fi­cada re­a­li­dade que a pro­pa­ganda go­ver­na­mental cons­trói e que anuncia “mi­la­gres eco­nó­micos” para iludir as con­sequên­cias con­cretas na vida de mi­lhões de por­tu­gueses de uma po­lí­tica de em­po­bre­ci­mento do povo e ruína do País.

Eter­nizar de­pen­dência

Uma po­lí­tica que este Go­verno pre­tende con­ti­nuar a co­berto da fan­ta­siosa his­to­rieta da “saída limpa” e, que tem, ela também, por ob­jec­tivo iludir a exis­tência de um pro­jecto que visa manter o País amar­rado a uma si­tu­ação de su­bal­ter­ni­dade e de­pen­dência, quer pela via da ex­tensão de novos com­pro­missos com a troika es­tran­geira, quer pela via de ou­tros ins­tru­mentos de do­mi­nação da União Eu­ro­peia, de­sig­na­da­mente por via do Tra­tado Or­ça­mental que PSD, CDS e PS apro­varam, apoiam e am­bi­ci­onam uti­lizar para per­pe­tuar a mesma po­lí­tica que nos con­duziu à crise.

A ameaça da eter­ni­zação desta po­lí­tica de des­truição das con­di­ções de vida de mi­lhões de por­tu­gueses é real e, só por si, jus­ti­fi­caria esta nossa ini­ci­a­tiva e a con­si­de­ração da de­missão do Go­verno e a con­vo­cação das elei­ções. (...)

Hoje, mais do que nunca é a per­ma­nência do ac­tual Go­verno e o pros­se­gui­mento da sua po­lí­tica de sub­missão que põe em causa o fu­turo do País.

Não há cam­panha de mis­ti­fi­cação que possa ocultar o ca­minho de per­pétua con­de­nação do País à de­pen­dência e do povo ao em­po­bre­ci­mento que este Go­verno pre­tende impor.

Um ca­minho que passa por tornar de­fi­ni­tivos os cortes dos sa­lá­rios, pen­sões e apoios so­ciais que apre­sen­taram como tem­po­rário; pela im­po­sição de mais im­postos sobre os tra­ba­lha­dores e o povo (de que é exemplo o au­mento da TSU e do IVA); pela im­po­sição de um mo­delo eco­nó­mico as­sente em baixos sa­lá­rios e no tra­balho pre­cário; por novas al­te­ra­ções para pior às leis la­bo­rais (fa­ci­li­tação dos des­pe­di­mentos e fra­gi­li­zação da con­tra­tação co­lec­tiva).

Que passa pelo ataque ao di­reito à re­forma com a sua nova Contra-Re­forma do sis­tema de pen­sões; pelo ataque aos ser­viços pú­blicos e às fun­ções so­ciais do Es­tado. (…)

Por­tugal e o povo por­tu­guês estão a braços com um Go­verno que, as­su­mindo uma po­lí­tica de sub­versão do re­gime de­mo­crá­tico e de con­fronto com a Cons­ti­tuição da Re­pú­blica Por­tu­guesa e de chan­tagem pe­rante o Tri­bunal Cons­ti­tu­ci­onal, põe em causa o re­gular fun­ci­o­na­mento das ins­ti­tui­ções de­mo­crá­ticas.

A apre­sen­tação da pre­sente Moção de Cen­sura ao Go­verno as­senta na nossa pro­funda con­vicção de que Por­tugal não está con­de­nado à ruína e à de­pen­dência. Que é pos­sível as­se­gurar com outra po­lí­tica a so­be­rania e a in­de­pen­dência do País e o seu de­sen­vol­vi­mento, capaz de as­se­gurar a ele­vação das con­di­ções de vida dos tra­ba­lha­dores e do povo.

Uma outra po­lí­tica que exige a rup­tura com a po­lí­tica de di­reita em Por­tugal e com os eixos fun­da­men­tais do pro­cesso de in­te­gração ca­pi­ta­lista eu­ropeu.

Uma rup­tura que urge e que se impõe como um im­pe­ra­tivo e uma con­dição para abrir o ca­minho à cons­trução de uma ver­da­deira po­lí­tica al­ter­na­tiva e cons­truir a ver­da­deira al­ter­na­tiva, pa­trió­tica e de es­querda de que o País pre­cisa.

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