Exigência de demissão do Governo e convocação de eleições

Censura do povo fez-se ouvir no Parlamento

Cen­su­rado na rua, cen­su­rado nas urnas, cen­su­rado ins­ti­tu­ci­o­nal­mente pela sua con­ti­nuada afronta à Cons­ti­tuição, o Go­verno não es­capou também à ini­ci­a­tiva do PCP de o cen­surar no Par­la­mento.

A moção de cen­sura deu ex­pressão ins­ti­tu­ci­onal ao sen­ti­mento de re­jeição po­pular ao Go­verno e à sua po­lí­tica

A mai­oria PSD/​CDS, sem sur­presa, pro­tegeu-o, in­vi­a­bi­li­zando a moção de cen­sura, que contou com os votos fa­vo­rá­veis de todas as opo­si­ções.

Porém, do de­bate de sexta-feira pas­sada, 30, ficou claro que este é um Go­verno e uma mai­oria sem le­gi­ti­mi­dade, der­ro­tado, sem apoio no País.

Esse foi sem dú­vida o ele­mento cla­ri­fi­cador mais forte que saiu do de­bate da moção de cen­sura. Como apu­rado foi que a grande questão que está hoje co­lo­cada é a de­missão do Go­verno e a con­vo­cação de elei­ções an­te­ci­padas, dando a pa­lavra ao povo.

Porque em­bora es­tando iso­lado po­lí­tica e so­ci­al­mente pela luta dos tra­ba­lha­dores e do povo, o Go­verno per­siste numa «po­lí­tica de de­sastre eco­nó­mico e so­cial», como sa­li­entou o Se­cre­tário-geral do PCP, que su­bli­nhou que esse iso­la­mento não só se am­pliou como é acom­pa­nhado hoje de um «ge­ne­ra­li­zado sen­ti­mento de re­pulsa» em re­lação a uma po­lí­tica cujo único pro­pó­sito é o de «in­ten­si­ficar o rumo de ex­plo­ração e em­po­bre­ci­mento».

Na in­ter­venção com que abriu o de­bate e em que expôs os fun­da­mentos que pre­si­diram à apre­sen­tação da moção de cen­sura – «são hoje mais e mais fortes as ra­zões», frisou –, Je­ró­nimo de Sousa con­si­derou, por outro lado, ter o Go­verno há muito per­dido a sua le­gi­ti­mi­dade po­lí­tica, não só pela vi­o­lação dos seus com­pro­missos elei­to­rais como, par­ti­cu­lar­mente, «por uma prá­tica go­ver­na­tiva em obs­ti­nado e rei­te­rado con­fronto com a Cons­ti­tuição da Re­pú­blica». A isto soma-se a «ile­gi­ti­mi­dade de­mo­crá­tica que re­sulta da drás­tica di­mi­nuição da sua base elei­toral, bem pa­tente na pro­funda der­rota que o povo in­fligiu à mai­oria que su­porta o Go­verno», acres­centou.

E por isso, do ponto de vista do PCP, ile­gí­timo é não só o Go­verno mas também a mai­oria par­la­mentar PSD/​CDS-PP. O pre­si­dente do Grupo Par­la­mentar co­mu­nista João Oli­veira, a este pro­pó­sito, acen­tu­aria ainda que esta mai­oria não re­flecte as «op­ções po­lí­ticas e elei­to­rais dos por­tu­gueses», man­tendo-se ar­ti­fi­ci­al­mente na AR com 57% dos de­pu­tados quando nas «urnas apenas re­colhe 27% dos votos».

Fugir à re­a­li­dade

Foi esta re­a­li­dade que os de­pu­tados co­mu­nistas co­lo­caram no centro do de­bate pe­rante uma mai­oria e um Go­verno que fi­zeram tudo para a ca­mu­flar e dela des­viar os olhares.

Isso mesmo ficou desde logo pa­tente na in­ter­venção ini­cial do pri­meiro-mi­nistro, com este a passar o mais pos­sível ao lado do que acon­teceu nas elei­ções do dia 25 de Maio. Foi «surdo e mudo», diria Je­ró­nimo de Sousa, que se ma­ni­festou até algo sur­pre­en­dido por tal ati­tude pela razão de que fora esse re­sul­tado um mo­tivo forte para a apre­sen­tação da moção de cen­sura. Ora ao «ig­norar o su­ce­dido, por es­conder a re­a­li­dade, o Go­verno não com­pre­ende a moção», con­cluiu o líder co­mu­nista.

E de facto foi a essa fuga às res­pon­sa­bi­li­dades, num sinal evi­dente de que Go­verno e mai­oria estão agar­rados ao poder como lapas, que se as­sistiu ao longo das mais de três horas de de­bate. Op­taram assim por en­terrar a ca­beça na areia e não re­tirar as con­sequên­cias desse iso­la­mento so­cial, po­lí­tico e elei­toral a que foram vo­tados pelo povo.

O que sig­ni­fica – e este é o ponto nodal do quadro po­lí­tico a que a moção deu uma ainda maior acui­dade – que o Pre­si­dente da Re­pú­blica não pode con­ti­nuar a as­so­biar para o ar. Ou seja, se cum­prir e fizer cum­prir a Cons­ti­tuição, como ga­rantiu fazer em ju­ra­mento, então, não lhe resta outra al­ter­na­tiva que não seja a de de­mitir o Go­verno e con­vocar elei­ções an­te­ci­padas em nome do re­gular fun­ci­o­na­mento das ins­ti­tui­ções.

«Não há, de facto, outra saída. Qual­quer outra so­lução sig­ni­fica con­tra­riar a von­tade e as op­ções dos por­tu­gueses, de­gradar a si­tu­ação po­lí­tica e com­pro­meter o re­gular fun­ci­o­na­mento das ins­ti­tui­ções po­lí­ticas», afirmou no final do de­bate o líder par­la­mentar do PCP.

Me­dalha de lata

Mas a mai­oria e o Go­verno não se fi­caram apenas pela pe­nosa e in­fru­tí­fera ten­ta­tiva de es­conder a re­a­li­dade. No­tória foi também a sua opção pela «fal­si­fi­cação his­tó­rica» e por sub­verter o con­teúdo e sen­tido das pro­postas do PCP, di­a­bo­li­zando-as. Fa­laram de «de­sastre», «ins­ta­bi­li­dade», «iso­la­mento», «pe­núria». Isto em pa­ra­lelo com um dis­curso de auto-sa­tis­fação pelos re­sul­tados da sua po­lí­tica, ao ponto de Passos Co­elho afirmar que o «País está me­lhor, está a crescer, fez re­formas im­por­tantes».

«De­sastre foi o que o Go­verno trouxe com a sua po­lí­tica. De­sastre eco­nó­mico e so­cial pro­vocou o Go­verno com a mais pro­funda re­cessão eco­nó­mica e os mai­ores ní­veis de de­sem­prego desde o 25 de Abril», ri­postou João Oli­veira, que fez notar ainda que «au­mento ime­diato da dí­vida pú­blica não é o PCP que propõe, é a me­dalha de lata deste Go­verno PSD/​CDS-PP que au­mentou a dí­vida por­tu­guesa em mais 52 mi­lhões de euros em apenas três anos».

Res­pon­dendo à letra ao pri­meiro-mi­nistro e aos de­pu­tados da mai­oria que in­ter­vi­eram no de­bate, o pre­si­dente do Grupo Par­la­mentar do PCP as­si­nalou, por outro lado, que «de­la­pi­dação das pou­panças dos por­tu­gueses» foi o que o Go­verno fez com o «au­mento de im­postos e o saque de sa­lá­rios e pen­sões, obri­gando os por­tu­gueses a re­correr às suas pou­pança».

E deixou bem vin­cado que «es­ta­ti­zação pre­ju­di­cial à eco­nomia e aos in­te­resses na­ci­o­nais» foi também o que fez este Go­verno ao manter a «na­ci­o­na­li­zação dos pre­juízos do BPN, obri­gando os por­tu­gueses a pagar esses pre­juízos para de­pois de­volver o banco a preço de saldo ao ca­pital pri­vado».

Con­cluiu por isso que manter este Go­verno é «as­sistir à venda do País, à en­trega das suas ri­quezas, re­cursos e po­ten­ci­a­li­dades à peça ou por grosso, em pa­cotes de vistos dou­rados ou a quem der mais nas ne­go­ci­atas das pri­va­ti­za­ções, em mais ne­gó­cios de PPP, swaps ou es­pe­cu­lação com a dí­vida pú­blica».

É para que isso não acon­teça que ganha con­sis­tência e im­por­tância, com a luta dos tra­ba­lha­dores e do povo, a cons­trução da po­lí­tica pa­trió­tica e de es­querda de­fen­dida pelo PCP.

 



Mais artigos de: Assembleia da República

«É o Governo que põe em causa o futuro»

(...) São hoje mais e mais fortes os motivos para que seja considerada como a mais necessária e democrática solução para dar uma outra resposta aos graves problemas que o País enfrenta – a dissolução da Assembleia da...

Verdade e coerência

Em várias fases do debate foi notória a guerrilha entre PSD e PS, com o primeiro a tentar tirar partido das incoerências e ambiguidades do segundo. «Dirimam os conflitos, resolvam lá isso mas não perturbem a nossa moção de censura desviando-se do que é...

Vale tudo

A caricatura e distorção das posições do PCP, prática em que a maioria PSD/CDS-PP é useira e vezeira, perpassou de forma também muito vincada nas intervenções do primeiro-ministro. Este, aliás, certamente por sentir o terreno a fugir-lhe debaixo dos...

Guia de marcha

«Vão-se embora, parem de estragar a vida aos trabalhadores, aos reformados, ao povo português!». Assim traduziu o deputado comunista Francisco Lopes o clamor popular que tem ecoado pelo País, e que as eleições do dia 25 de Maio ampliaram de modo iniludível. Foi essa...

Falsificações

Uma «caracterização grotesca». Foi nestes termos que o deputado comunista António Filipe definiu a avaliação de Passos Coelho às propostas do PCP, acusando-o de «falsificação intencional». Estabelecendo o guião que serviria de mote...

Legitimidade perdida

A questão da perda de legitimidade do Governo e da maioria parlamentar que o sustém esteve presente em vários momentos do debate. Para o PCP não há qualquer dúvida de que este Governo é hoje um governo sem legitimidade social, política e eleitoral. E perante um...

«Comissão de negócios»

«Um Governo ao serviço dos bancos e dos monopólios, que usa o poder legislativo contra o povo e contra os trabalhadores, contra os jovens e idosos, contra a Constituição», assim caracterizou o deputado comunista Miguel Tiago o actual Executivo PSD/CDS-PP. Admitiu mesmo estar-se em...

A única saída

Paula Santos foi directa ao assunto e acusou o primeiro-ministro de insistir, não obstante a derrota na rua e nas urnas, em ir mais longe na política de encerramento e privatização de serviços públicos, restrição dos direitos sociais consagrados na...

A grande mentira

Perpetuar a política de empobrecimento é hoje a única perspectiva que o Governo tem para oferecer aos portugueses. É o «empobrecimento sem fim», chamou-lhe o deputado comunista Paulo Sá. A comprová-lo está o Documento de Estratégia Orçamental...

Mais impostos

Do debate ficou ainda a certeza de que o primeiro-ministro não descarta a possibilidade de um aumento de impostos. Desafiado pela deputada do PEV Heloísa Apolónia a esclarecer se admitia um aumento da taxa normal do IVA, em face de uma decisão desfavorável do Tribunal Constitucional...