Portugal na Grande Guerra

Da submissão à «carne para canhão»

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A ba­talha de La Lys, em Abril de 1918, é o mais no­tório e sig­ni­fi­ca­tivo epi­sódio da par­ti­ci­pação por­tu­guesa na Pri­meira Guerra Mun­dial: aí, in­te­grado nos exér­citos bri­tâ­nicos, o Corpo Ex­pe­di­ci­o­nário Por­tu­guês (CEP) so­freu uma es­tron­dosa der­rota, que lhe custou cerca 7500 ho­mens – entre mortos, fe­ridos e pri­si­o­neiros –, ou seja, mais de um terço do total de efec­tivos.

Esta au­tên­tica cha­cina, na qual os sol­dados por­tu­gueses ser­viram de «carne para ca­nhão» às forças bri­tâ­nicas, é em si mesma um pun­gente exemplo do que era então Por­tugal: um es­tado so­be­rano e in­de­pen­dente mas, de facto, um «pro­tec­to­rado bri­tâ­nico», como aliás ob­servou Lé­nine.

Foi pre­ci­sa­mente às or­dens da Coroa in­glesa que o go­verno re­pu­bli­cano, em Fe­ve­reiro de 1916, apri­si­onou os barcos ale­mães es­ta­ci­o­nados em águas por­tu­guesas, pre­ci­pi­tando a de­cla­ração de guerra por parte da Ale­manha. Já antes desta data, nas co­ló­nias afri­canas, se ti­nham dado in­ci­dentes com tropas alemãs – ao mesmo tempo que eram con­ce­didas fa­ci­li­dades lo­gís­ticas às forças bri­tâ­nicas.

Tal como nou­tros países eu­ro­peus, também em Por­tugal os mi­li­tares re­gres­sados da Guerra ti­veram um des­ta­cado papel po­lí­tico: o ge­neral Gomes da Costa, co­man­dante do CEP em La Lys, foi um dos prin­ci­pais pro­ta­go­nistas do golpe mi­litar de 28 de Maio de 1926, que pôs fim à Pri­meira Re­pú­blica e abriu ca­minho à ins­tau­ração da di­ta­dura fas­cista.

 Di­vi­sões, re­voltas e... o PCP

 A par­ti­ci­pação por­tu­guesa na Guerra pro­vocou di­vi­sões e dis­sen­sões no mo­vi­mento ope­rário, à se­me­lhança do que su­cedeu nou­tros con­textos na­ci­o­nais. O Par­tido So­ci­a­lista Por­tu­guês, que vinha as­su­mindo uma po­sição de opo­sição ao con­flito, acabou por in­te­grar o go­verno de «União Sa­grada» em de­fesa do in­ter­ven­ci­o­nismo. Re­pli­cando o con­flito entre no­tó­rios anar­quistas como Kro­pot­kine e Ma­la­testa (o pri­meiro de­fen­dendo a luta contra os im­pé­rios cen­trais e o se­gundo opondo-se à guerra), também al­guns teó­ricos por­tu­gueses desta cor­rente acei­taram a par­ti­ci­pação no con­flito, ao lado de bri­tâ­nicos e fran­ceses.

No en­tanto, e apesar da in­tensa pro­pa­ganda mi­li­ta­rista e da re­pressão, largos sec­tores da classe ope­rária e de ou­tras ca­madas po­pu­lares con­tes­tavam a Guerra e a par­ti­ci­pação por­tu­guesa. À frente de muitas destas mo­vi­men­ta­ções – a que os pró­prios quar­téis não es­ca­pavam – es­tavam as Ju­ven­tudes Sin­di­ca­listas.

Para além dos sol­dados, que mor­riam nas trin­cheiras, a Guerra agravou se­ve­ra­mente as já pre­cá­rias con­di­ções de vida das ca­madas po­pu­lares: aos de­fi­ci­entes abas­te­ci­mentos, somou-se os açam­bar­ca­mentos e a es­pe­cu­lação, que pro­vo­caram a ira po­pular e deram azo às de­sig­nadas «re­voltas da fome», que aba­laram todo o País entre os úl­timos anos do con­flito e os pri­meiros do pós-guerra.

As greves e mo­bi­li­za­ções que, como no resto da Eu­ropa, mar­caram estes anos em Por­tugal – os anos da «ameaça ver­melha», como foram cha­mados –, nas­ceram das con­tra­di­ções exa­cer­badas com a Guerra e dos ventos que che­garam de Ori­ente, da Rússia so­vié­tica. Os sec­tores mais avan­çados do pro­le­ta­riado cri­aram, em 1919, a Fun­dação Ma­xi­ma­lista Por­tu­guesa e, em 6 de Março de 1921, nascia o Par­tido Co­mu­nista Por­tu­guês. 



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