Uma outra axiomática

Manuel Gouveia

A mai­oria de nós está ha­bi­tuada a pensar no quadro da axi­o­má­tica clás­sica, onde um mais um é igual a dois. Mas nas missas com que os go­ver­nantes in­festam a co­mu­ni­cação so­cial, abu­sando da sub­ser­vi­ente au­sência de con­tra­di­tório, cada vez mais um mais um é «tudo o que o se­nhor quiser», sendo este «se­nhor» um misto de di­vino e de feudal.

Só assim se ex­plica apa­re­cerem como coisa séria, muitas vezes em tí­tulo e pa­ran­gonas, de­cla­ra­ções que de­ve­riam me­recer a pi­e­dade co­lec­tiva, por ex­porem o es­tado de em­bri­a­guez de quem as pro­fere, ou serem justa razão para uma gar­ga­lhada mo­nu­mental, de tão pa­té­ticas e con­tra­di­tó­rias.

En­con­tramos muitos e bons exem­plos disto mesmo no re­cente pro­cesso de pri­va­ti­zação da TAP e da greve mar­cada em res­posta: Al­berto João Jardim, que num dia afirma que a TAP é a maior praga da Ma­deira e no dia se­guinte afirma que um dia de greve na TAP des­truiria a eco­nomia da ilha por mi­lé­nios; Fer­nando Pinto, ame­a­çando que a so­bre­vi­vência da TAP está em pe­rigo se con­ti­nuar a ins­ta­bi­li­dade ac­tual, mas di­ri­gindo-se aos tra­ba­lha­dores e não ao Go­verno que de­creta pro­cessos de pri­va­ti­zação sobre pro­cesso de pri­va­ti­zação e nos in­ter­valos aprova me­didas para di­fi­cultar a gestão das em­presas pú­blicas; Pires de Lima, jus­ti­fi­cando a re­qui­sição civil porque os in­te­resses par­ti­cu­lares não se podem so­brepor aos in­te­resses pú­blicos; Sérgio Mon­teiro, in­for­mando que a greve foi des­con­vo­cada e ame­a­çando de ime­diato os sin­di­catos que não des­con­vo­caram a greve que ele aca­bava de anun­ciar ter sido des­con­vo­cada; ou de novo Pires de Lima, ofe­re­cendo a re­ti­rada da re­qui­sição civil se os sin­di­catos re­ti­rassem a greve contra a qual o Go­verno de­cretou a re­qui­sição civil.

É este o es­tado la­men­tável e ca­ri­cato do poder e da co­mu­ni­cação so­cial que o serve. Um poder real e ob­jec­tivo, co­lo­cado ao ser­viço do grande ca­pital, da con­cen­tração e da ex­plo­ração ca­pi­ta­lista. Mas um poder cres­cen­te­mente li­mi­tado pelas suas pró­prias con­tra­di­ções.

Con­sequência disso mesmo é o facto de que, apesar da bar­ragem de­sin­for­ma­tiva, cada vez mais por­tu­gueses pensam como nós: «A TAP faz falta ao País, este Go­verno não!».



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