Empresas públicas fazem a diferença

Transportes com política

José Manuel Oliveira e Anabela Carvalheira contrariam a ideia de que, para uma política de estímulo do uso de transportes colectivos, as principais empresas poderiam ser privadas. Lembram até casos recentes de autêntica chantagem.

A Rodoviária Nacional chegou onde as empresas privadas nunca tinham ido

Aumentar a oferta de transporte público é uma opção política, como os nossos entrevistados começaram por lembrar. Ninguém defende «um país onde nas estradas e nas cidades cada vez mais andam viaturas que levam apenas uma pessoa, com os custos que isso tem do ponto de vista ambiental, de infra-estruturas, de custos para a economia nacional, com imensas horas perdidas em filas nas entradas das cidades» e será consensual desejar «um sistema de transportes públicos que, podendo apresentar custos agora para o País, acaba por ter maiores ganhos mais adiante, do ponto de vista energético, ambiental, social e na redução das horas perdidas». José Manuel defende que, «se queremos esta segunda opção, não podemos depender de empresas de transportes que têm por finalidade obter lucro, garantir o rendimento do capital investido pelos grupos económicos», é necessário «que o Governo disponha de ferramentas para atingir os objectivos».
Também «não se pode ter um sistema de transportes públicos em condições, com serviços articulados entre os vários modos e com ganhos sentidos pela população utente, com base em empresas privadas que recebam dinheiro do Estado para cumprirem obrigações de serviço público». O coordenador da Fectrans alerta que «quem quer colocar o serviço público de transportes na mãos dos privados vai acrescentar-lhes o poder de fazerem chantagem sobre qualquer governo, quando estão em causa os seus interesses».
«Ainda há um ano ou dois vimos o Grupo Vimeca e Scotturb ameaçar que suspendia a utilização dos passes sociais nas suas carreiras», e «não foi esta a primeira vez que ouvimos empresas privadas na região de Lisboa dizerem que vão suspender os passes sociais». Contudo, «nunca vimos um comportamento destes por parte de uma empresa pública».

Já vimos 

Em Portugal já se viu como, «com empresas públicas, o Estado dispõe da ferramenta para aplicar uma política de transportes que vise a harmonização geográfica no País». Há 40 anos, quando foram nacionalizados os transportes, passou a haver transporte de autocarro nas aldeias mais longínquas. «A Rodoviária Nacional chegou lá, onde as empresas privadas nunca tinham ido, e as pessoas tiveram o transporte de que precisavam e a que têm todo o direito», sublinhou o dirigente sindical, para de seguida recordar que «as primeiras privatizações foram feitas com o argumento de que o serviço tanto poderia ser prestado por uma empresa pública, como por uma empresa privada» e «o facto é que hoje muitas dessas aldeias não têm transporte público, o direito à mobilidade desapareceu».
Este abandono não se observa só no interior. Anabela nota que, «mesmo nos arredores de Lisboa e das maiores cidades, há hoje zonas onde as pessoas que dependem dos transportes públicos vivem em regime de autêntico recolher obrigatório», nos períodos em que as empresas não consideram rentável assegurar o serviço. A situação «é ainda mais grave para as pessoas que estão dependentes exclusivamente de um transporte rodoviário, assegurado por operadores privados», uma vez que «de comboio ou Metro chegam à estação, mas depois já não têm autocarros» para seguirem caminho.
José Manuel ressalva que «o facto de hoje existirem empresas públicas não é um sossego para nós», pois «elas estão a ser geridas numa óptica de gestão privada, com medidas de redução da oferta», «assiste-se à degradação de equipamentos, a uma maior frequência de avarias».
Neste sector, «os trabalhadores têm a noção de que, para empresas como o Metro poderem crescer, é preciso um investimento brutal, que um privado não vai fazer, não vai renovar a frota, não vai admitir trabalhadores necessários e com os direitos do Acordo de Empresa, vai reduzir o número de composições e circulações» e, assim, «vai criar piores condições de trabalho aos trabalhadores e vai, sobretudo, criar piores condições aos utentes», acrescenta Anabela.
José Manuel recusa que estar numa empresa pública seja uma forma de os trabalhadores terem melhores condições, tal como não é esse o motivo que une e mobiliza contra as privatizações: «Nós lutamos por empresas públicas, porque defendemos que um sistema público de transportes é melhor para o País e para as pessoas». Quanto a ter mais ou menos direitos e regalias, isso «depende da capacidade reivindicativa dos trabalhadores ao longo dos anos».
Essa capacidade reivindicativa dos trabalhadores dos transportes «esteve na origem de alguns direitos que hoje são de todos». José Manuel cita o 13.º mês, que «começou por figurar nos acordos de empresa» de transportadoras públicas, e a contagem das férias em dias úteis de férias, que vigorou primeiro em empresas públicas.

 

Privados e preferidos

A Refer teve que construir infra-estrutura ferroviária, o Metro de Lisboa fez o alargamento da rede e a Metro do Porto construiu o sistema do metropolitano de superfície. Nestes três exemplos, o investimento representou 7,8 mil milhões de euros. Desta verba, oito por cento provieram do PIDDAC (Orçamento do Estado), 23 por cento da União Europeia e 69 por cento das empresas, que tiveram que recorrer ao endividamento bancário.
Outras contas tem a Metro Transportes do Sul, o único projecto feito de raiz por privados. Para um investimento de 339 milhões de euros, o PIDDAC suportou 61 por cento, a UE contribuiu com 22 por cento e a empresa teve que garantir 17 por cento. Mas depois, ao que se soube, o projecto sofreu atrasos, houve uma renegociação com indemnizações e a empresa privada acabou por não pagar nada.
No primeiro caso, a opção política foi passar obrigações do Estado para as empresas públicas e obrigá-las a recorrerem aos bancos. No segundo, a opção foi aumentar o financiamento público à empresa privada.

A Fertagus opera na Ponte 25 de Abril, sem ter feito nenhum investimento na infra-estrutura nem no material circulante. A Refer está ainda a pagar os encargos da construção da linha. Por decisões políticas, o negócio com os privados começou com uma subconcessão, transformada em concessão já na parte final, impedindo a CP de concorrer à exploração daquele troço. No primeiro contrato, o Estado garantia pagamentos ao concessionário privado, um consórcio Barraqueiro/Arriva, se o número de passageiros não atingisse um certo limite. Passaram a ser pagas indemnizações compensatórias que, em custo médio por passageiro, eram superiores às que o Estado pagava à CP. Em trajectos idênticos, a Fertagus cobra preços que são quase três vezes superiores aos da CP.
A partir de uma dada altura, o Governo deixou de pagar indemnizações compensatórias e a Fertagus passou a apresentar prejuízos – mesmo mantendo todas as outras vantagens. O poder ofereceu uma solução: a Fertagus deixou de pagar à Refer pela utilização da infra-estrutura ferroviária. Mas esta é uma taxa que a CP continua a pagar.
José Manuel Oliveira, que lembrou estes casos citando o estudo da ORL do PCP, conclui que «esta opção por concessões e subconcessões sai mais cara e o País fica sempre dependente».

 

Segue o saque

«O saque continua», protestou o sector de Transportes da Organização Regional de Lisboa do PCP, a propósito das indemnizações compensatórias para 2015, conhecidas no dia 13, com a publicação da Resolução 31/2015 do Conselho de Ministros, e cuja distribuição constitui «um escândalo com várias facetas».
Focando a análise nos transportes públicos, assinala-se que quase 28 milhões de euros vão para os operadores privados e menos de 19 milhões destinam-se aos operadores públicos.
Este «principal escândalo» atinge «verdadeiras e épicas dimensões» quando se compara as verbas recebidas com o número de passageiros transportados, apontando o exemplo do transporte ferroviário na Área Metropolitana de Lisboa:

as empresas públicas (Metro e CP Lisboa) transportam quase 210 milhões de passageiros e recebem 4,7 milhões de euros, o que representa um apoio de dois cêntimos por passageiro;
as ferroviárias privadas (Fertagus e MTS) transportam um pouco menos de 29 milhões de passageiros e recebem 10,6 milhões de euros, o que significa um apoio de 37 (trinta e sete!) cêntimos por passageiro.
Da compensação pela aceitação de passageiros com o passe social intermodal, as empresas públicas de Lisboa (Carris, CP, Metro, Soflusa e Transtejo) não recebem nada, enquanto as rodoviárias privadas arrecadam mais de sete milhões de euros. Estas últimas tinham apenas 17 por cento dos utilizadores de passe intermodal (dados de 2007, último inquérito à mobilidade reconhecido).
Para o sector de Transportes da ORL, a atribuição de indemnizações compensatórias tornou-se «um mecanismo mais de subsidiação das empresas privadas que parasitam o sector e que, apesar de assumirem uma parte muito pequena do sistema, são já os grandes beneficiários com verbas do Orçamento do Estado».




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