«Barrigas de aluguer» sem consenso

A As­sem­bleia da Re­pú­blica aprovou, dia 13, o texto apre­sen­tado pela Co­missão de Saúde (ela­bo­rado a partir de pro­jectos do PS, PEV, BE e PAN) com vista a alargar o acesso à Pro­cri­ação Me­di­ca­mente As­sis­tida (PMA). Vo­taram fa­vo­ra­vel­mente as ban­cadas do PS, PCP, PEV, BE, PAN e 16 de­pu­tados do PSD. Três de­pu­tados deste úl­timo op­taram pela abs­tenção, vo­tando contra os res­tantes de­pu­tados do PSD e o CDS.

Com a apro­vação do texto de subs­ti­tuição passa a ser per­mi­tido o re­curso a téc­nicas de fer­ti­li­zação a todas as mu­lheres, in­de­pen­den­te­mente do es­tado civil e da ori­en­tação se­xual, con­cre­ti­zando deste modo o seu de­sejo de ma­ter­ni­dade.

A na­tu­reza e a uti­li­zação das téc­nicas de PMA mantêm o pa­ra­digma que es­teve na base da sua re­gu­la­men­tação pela AR em 2006, ou seja, o prin­cípio de que «são um mé­todo sub­si­diário de pro­cri­ação» e não um «mé­todo al­ter­na­tivo de re­pro­dução». Essa foi de resto a questão de fundo que es­teve em de­bate em ple­nário. Pelo que, como su­blinha o PCP na sua de­cla­ração de voto sobre esta ma­téria, o alar­ga­mento agora apro­vado sobre a uti­li­zação das téc­nicas de PMA às «mu­lheres sem di­ag­nós­tico de in­fer­ti­li­dade é uma se­gunda ex­cepção a esse prin­cípio», acres­cendo à pri­meira ex­cepção (des­ti­nada a im­pedir a trans­missão de uma do­ença grave aos des­cen­dentes) ad­mi­tida no re­gime ju­rí­dico à uti­li­zação das téc­nicas de PMA em função de um di­ag­nós­tico de in­fer­ti­li­dade para evitar o so­fri­mento hu­mano. E dessa forma sal­va­guar­dada se mantém a na­tu­reza, a uti­li­zação e a fi­na­li­dade das téc­nicas de PMA», cuja con­sa­gração como mé­todo sub­si­diário pro­curou acau­telar a «não ins­tru­men­ta­li­zação da vida, do corpo hu­mano e dos ór­gãos de re­pro­dução, não per­mi­tindo a uti­li­zação destas téc­nicas para fins in­de­se­jados».

Ges­tação de subs­ti­tuição

Apro­vado pela AR em vo­tação final global, também no dia 13, foi ainda o pro­jecto de lei do BE que re­gula o acesso à ges­tação de subs­ti­tuição, mais co­nhe­cida por «bar­riga de alu­guer». O di­ploma ob­teve os votos fa­vo­rá­veis do PS, PEV, BE, PAN e 24 de­pu­tados do PSD, vo­tando contra as ban­cadas do PSD, CDS e PCP, dois par­la­men­tares do PS, re­gis­tando-se ainda três abs­ten­ções entre os de­pu­tados la­ranja.

Em­bora ci­ente dos avanços ci­vi­li­za­ci­o­nais nos di­reitos se­xuais e re­pro­du­tivos que a evo­lução das téc­nicas de PMA veio pos­si­bi­litar, per­mi­tindo a muitas fa­mí­lias con­cre­tizar o sonho da ma­ter­ni­dade e pa­ter­ni­dade, o PCP não pode ig­norar que per­sistem dú­vidas e pre­o­cu­pa­ções quanto à ges­tação de subs­ti­tuição.

Elas fi­caram de resto bem pa­tentes nas au­di­ções re­a­li­zadas no âm­bito do tra­balho em co­missão, onde não se ve­ri­ficou um con­senso. E foi esse não dis­sipar das dú­vidas e pre­o­cu­pa­ções que também es­teve na base do voto contra da ban­cada co­mu­nista.

Como é dito na de­cla­ração de voto sobre este di­ploma, «não podem ser des­pre­zadas» e têm de ser «de­vi­da­mente pon­de­radas» as «enormes com­ple­xi­dades e es­pe­ci­fi­ci­dades» co­lo­cadas pela ges­tação de subs­ti­tuição, en­quanto téc­nica de PMA.

É que ao con­trário das de­mais, esta exige a par­ti­ci­pação ac­tiva e di­recta de uma ter­ceira pessoa na ges­tação – uma outra mu­lher – com as «im­pli­ca­ções fí­sicas e psí­quicas» daí de­cor­rentes e que não podem ser ig­no­radas, tal como não podem deixar de ser con­si­de­rados e me­recer re­flexão os «po­ten­ciais con­flitos e ques­tões éticas» nas re­la­ções entre pes­soas en­vol­vidas na téc­nica e também nas re­la­ções entre elas e a cri­ança ge­rada.

Na sua de­cla­ração de voto o PCP re­fere, por exemplo as pre­o­cu­pa­ções sus­ci­tadas nas au­di­ções em torno da questão re­la­tiva aos be­ne­fi­ciá­rios da ges­tação de subs­ti­tuição, bem como a falta de so­lução para pro­blemas iden­ti­fi­cados. Para além das mu­lheres sem útero ou com lesão do útero, pro­posto é no di­ploma que àquela téc­nica possam aceder ou­tras si­tu­a­ções cli­ni­ca­mente jus­ti­fi­cá­veis. O que, na pers­pec­tiva do PCP, é um cri­tério que peca pela sub­jec­ti­vi­dade, quando tudo re­co­men­daria um «cri­tério ob­jec­tivo». Acresce a isto o facto de no pró­prio dia da vo­tação ter sido al­te­rado o texto da lei re­la­ti­va­mente às con­sequên­cias da vi­o­lação da lei, o que re­vela a ne­ces­si­dade de me­lhor pon­de­ração das suas im­pli­ca­ções antes da apro­vação.



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